Aprendendo a dialogar com o câncer e com a covid-19

Tanto no âmbito orgânico, quanto no emocional, aprendemos que somos guerreiros da vida que habita em nós

Mauro Brandão
2 de julho de 2021
atualizada em 22 de julho de 2021
Mauro Brandão - arquivo pessoal
Mauro Brandão - arquivo pessoal

Iniciei hoje, 23 de junho, mais uma fase de tratamento do câncer por quimioterapia. Desde 2018 que luto contra esta doença desafiadora e que não permite abrirmos a guarda. O câncer é também um longo aprendizado, nos faz conhecer a nós mesmos, as pessoas ao nosso redor e as pessoas que constroem um elo solidário e invisível por viverem a mesma realidade, de serem portadoras de algum tipo de câncer, doença cada vez mais comum e também mais combatida com eficiência pelos médicos, cientistas e demais profissionais da saúde. 

Na sala de quimioterapia, dezenas de pessoas esperam a dose do medicamento que irá auxiliar no combate da doença invasora de cada organismo, e além do organismo, alguém que carrega uma história longa, um livro inviolável e sagrado, onde pessoas que o amam estão juntos na mesma corrente de amor. 

Aprendi e continuo aprendendo a dialogar com o câncer, entendendo as minhas vulnerabilidades e aprendendo, às vezes às duras penas, que quando abrimos a guarda para pessoas que nos fazem mal, estamos também permitindo que as células indesejadas se multipliquem de novo. O câncer é uma doença orgânica, mas também tem o seu forte componente psíquico e emocional. Tanto no âmbito orgânico, quanto no emocional, aprendemos que somos guerreiros da vida que habita em nós, e que muitos sucumbem por não permitir que histórias mal resolvidas sejam expostas e confrontadas. 

Hoje, temo muito mais a Covid-19 do que o câncer. Diferentemente do câncer, a Covid é uma doença social, envolve empatia e cuidado com o outro, e este é um desafio que o mundo ainda não aprendeu como funciona. O sistema egocêntrico não permite que vislumbremos formas solidárias de nos relacionar, e que a solidariedade é muito mais saudável que a concorrência. Ainda não estamos imunizados contra a Covid, nem pelo imunizante e nem pelo fatal egoísmo, e eu tomei só a primeira dose da AstraZeneca. Ainda tenho que me cuidar e cuidar dos meus mais próximos e mais queridos.

Agradeço especialmente à minha amada Ana Cláudia, companheira perfeita e guerreira inabalável. Se hoje percebo que parte do combate acontece dentro de mim, é graças a ela, que nunca mediu esforços para viver esta odisseia juntos. Agradeço também ao Dr. Ellias Magalhães e Abreu Lima, médico oncologista que se tornou uma espécie de amigo do fundo da cozinha, e traz toda a obstinação para prolongar a minha vida e a dos seus pacientes. E agradeço também aos amigos, amigas e pessoas do bem querer, que de uma forma ou outra emanam energia desejando a mim vida longa e feliz. 

Nunca abandonei meus projetos, nunca perdi meus ideais, e no meu bate-papo diário com as células rebeldes, digo a elas que tenho muito a caminhar por esta Terra, e que, no dia em que a soberana morte chegar, que chegue bem devagar, nos ombros de um velho feliz e realizado por aquilo que desejou e estabeleceu como meta de vida. 

A vocês, cuidem da saúde, e não deixem que os piores vírus, o da ignorância e do egoísmo, atinjam o que lhes é mais caro: que eu só posso me realizar na felicidade do outro.


Mauro Brandão é autor do romance Claraluz e o Poeta e mais quatro livros.

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