Aprendendo a dialogar com o câncer e com a covid-19
Tanto no âmbito orgânico, quanto no emocional, aprendemos que somos guerreiros da vida que habita em nós
Iniciei hoje, 23 de junho, mais uma fase de tratamento do câncer por quimioterapia. Desde 2018 que luto contra esta doença desafiadora e que não permite abrirmos a guarda. O câncer é também um longo aprendizado, nos faz conhecer a nós mesmos, as pessoas ao nosso redor e as pessoas que constroem um elo solidário e invisível por viverem a mesma realidade, de serem portadoras de algum tipo de câncer, doença cada vez mais comum e também mais combatida com eficiência pelos médicos, cientistas e demais profissionais da saúde.
Na sala de quimioterapia, dezenas de pessoas esperam a dose do medicamento que irá auxiliar no combate da doença invasora de cada organismo, e além do organismo, alguém que carrega uma história longa, um livro inviolável e sagrado, onde pessoas que o amam estão juntos na mesma corrente de amor.
Aprendi e continuo aprendendo a dialogar com o câncer, entendendo as minhas vulnerabilidades e aprendendo, às vezes às duras penas, que quando abrimos a guarda para pessoas que nos fazem mal, estamos também permitindo que as células indesejadas se multipliquem de novo. O câncer é uma doença orgânica, mas também tem o seu forte componente psíquico e emocional. Tanto no âmbito orgânico, quanto no emocional, aprendemos que somos guerreiros da vida que habita em nós, e que muitos sucumbem por não permitir que histórias mal resolvidas sejam expostas e confrontadas.
Hoje, temo muito mais a Covid-19 do que o câncer. Diferentemente do câncer, a Covid é uma doença social, envolve empatia e cuidado com o outro, e este é um desafio que o mundo ainda não aprendeu como funciona. O sistema egocêntrico não permite que vislumbremos formas solidárias de nos relacionar, e que a solidariedade é muito mais saudável que a concorrência. Ainda não estamos imunizados contra a Covid, nem pelo imunizante e nem pelo fatal egoísmo, e eu tomei só a primeira dose da AstraZeneca. Ainda tenho que me cuidar e cuidar dos meus mais próximos e mais queridos.
Agradeço especialmente à minha amada Ana Cláudia, companheira perfeita e guerreira inabalável. Se hoje percebo que parte do combate acontece dentro de mim, é graças a ela, que nunca mediu esforços para viver esta odisseia juntos. Agradeço também ao Dr. Ellias Magalhães e Abreu Lima, médico oncologista que se tornou uma espécie de amigo do fundo da cozinha, e traz toda a obstinação para prolongar a minha vida e a dos seus pacientes. E agradeço também aos amigos, amigas e pessoas do bem querer, que de uma forma ou outra emanam energia desejando a mim vida longa e feliz.
Nunca abandonei meus projetos, nunca perdi meus ideais, e no meu bate-papo diário com as células rebeldes, digo a elas que tenho muito a caminhar por esta Terra, e que, no dia em que a soberana morte chegar, que chegue bem devagar, nos ombros de um velho feliz e realizado por aquilo que desejou e estabeleceu como meta de vida.
A vocês, cuidem da saúde, e não deixem que os piores vírus, o da ignorância e do egoísmo, atinjam o que lhes é mais caro: que eu só posso me realizar na felicidade do outro.
Mauro Brandão é autor do romance Claraluz e o Poeta e mais quatro livros.
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