“Peguei Covid-19!” Diário de quem luta com a doença no Brasil

Os benefícios de ser transferido de um hospital privado para um hospital público e o pós-covid

Daniel Costa
5 de julho de 2021
atualizada em 22 de julho de 2021

Foi no dia 2 de Junho que comecei a sentir alguns sintomas. Fui ao médico no dia 4 e ele passou ivermectina (o bom e velho mebendazol), no dia 6 (domingo) fui novamente, porque começava a sentir a doença paulatinamente mais forte. O swab que acusou negativo na sexta dia 4, acusou positivo no domingo dia 6.

Fui a farmácia e comprei os remédios (sem o "kit covid" bolsonaresco) e deu uma melhorada. Tomei corticoide, antibiótico, dentre outras coisas. Quando chegou o dia 9, já estava fraco e com sentindo muita dor no pulmão. Eu só sabia tossir. Já não tinha olfato e fui levado ao hospital particular. Estava ruim! Muito ruim! E internei.

Saturação de Oxigênio em 88%. Fizeram a ignorância de aumentarem o oxigênio para o volume máximo, no cateter. Fiquei doidão. Felizmente, minha família conseguiu transferência para um hospital público. Hospital Municipal Ronaldo Gazolla em Acari - RJ. Era a primeira vez que ouvia falar desse hospital. E nunca iria imaginar que tinha um hospital-referência no tratamento de Covid em Acari. Me ferrei bonito. E em termos de SUS é sempre bom ter estas boas surpresas.

Cheguei na meia-noite do dia 10 do Hospital Memorial do Engº de Dentro ao Hospital Municipal Ronaldo Gazolla. Fui colocado num quarto de CTI com mais dois pacientes. Uma estava entubada, o outro não. Eu não precisei entubar, entretanto, quando se é um paciente ansioso, a experiência de CTI e depois enfermaria pode parecer um verdadeiro inferno. Não é legal contemplar um paciente no CTI fazendo 30/23 de pressão arterial. É uma decida ao inferno! E quem fica internado, fica o tempo inteiro prestado atenção em como está saturando ou dessaturando a oxigenação. Uma coisa "boba" como a respiração passa a ser tão valorizada como água no deserto. É a soma de todas as neuroses, paranoias e temores um CTI só com pacientes afligidos pela Covid-19.

Quem me internou, me garantiu que aquele era um dos melhores hospitais. E tive que acreditar. Depois, com o passar do tempo, percebi que sim, era um hospital que tinha algumas coisas precarizadas, mas tinha uma boa equipe de saúde - téc. de enfermagem, enfermeiros, médicas(os), equipe de limpeza, fonoaudiologia, fisioterapia, psicologia... deu pra ver que eles decidiram formar uma equipe para salvar vidas, o máximo que conseguissem.

Fui para o quarto na noite do dia 12. Prometeram que eu iria para casa, o equipo estava incomodando muito, não sou bom de veia. Desde o dia 08 que não fazia o número 02 (e quem já internou sabe o quanto os nutricionistas se empenham para a comida ficar bastante laxativa), então o problema se agravava. Queria muito ir ao banheiro, mas no CTI não te deixam fazer isso, o que é um absurdo. Não deixei de estar orientado no tempo e no espaço e fazer na "comadre", juro que tentei, mas não dá. Trava! Você tenta se aliviar na cama e você não lembra mais dos seus dois/três anos, quando foi a idade em que deixei de fazer isso. Tudo mudou. Fora que é horrível ficar de intestino cheio e ao mesmo tempo não conseguir fazer na cama. Todo paciente sabe que nem todo técnico ou técnica de enfermagem estaria muito disposto a te limpar decentemente. Enfim, uma droga!

Fui transferido do CTI para a Enfermaria e me disseram que a Enfermaria era o Paraíso. Que de lá era o caminho para a casa. A gente fica numa ansiedade de sair no mesmo dia. Sim, saí do CTI no dia 13, domingo, e a ansiedade aumentou muito. Tive vontade de assinar alta e sair logo do hospital. Graças a equipe médica não tomei essa decisão. Fiquei mais 7 dias na Enfermaria. Foi duro e foi bom. Pude recolocar os pés no chão e pude andar sozinho. Comecei alguns trabalhos para recuperar os músculos responsáveis pela respiração. A Enfermaria está mais para o Purgatório que o Paraíso. E, na segunda-feira pude ir ao banheiro. Que alívio.

Pouco a pouco a saturação do oxigênio aumentou, cada dia andava com mais autonomia e quase no final da internação o meu olfato começou a apresentar melhoras. Aderi 100% ao tratamento, comendo tudo, procurando beber muita água, tentando dormir (para quem tem insônia e ficar num hospital ouvindo aparelhos é horrível, fora o medo de perder o acesso venoso que te furaram com tanto custo). Adquiri muitas dores nas costas, porque ficar deitado numa cama que não é a sua depois dos 30 dá dores nas costas. Fui perdendo peso devido a dieta e o enfrentamento da doença, recuperei e ainda estou recuperando a capacidade de contrair e relaxar os músculos intercostais e o diafragma e a concentração foi melhorando. Tudo isso foram coisas que tive que ficar calmo dentro do hospital para conseguir.

A gente se apoia muito no companheiro ao lado da enfermaria para se animar e animar pra sair logo do Hospital. A gente fica muito mexido com as histórias, como do rapaz à minha frente que ficou 15 dias no CTI e quase entubou. Deram a ele a opção de entubar ou meter uma agulha no pulmão para fazer um dreno. Ele nem pestanejou - "mete a furadeira na costela doutor".... e assim ele pode estar no quarto comigo. Foi uma honra poder conhecer uma pessoa tão nobre e corajosa.

Foi uma honra poder conhecer outro amigo, que disse que aquilo tudo passaria e que eu deveria tentar relaxar pelo bem do tratamento. Eles foram liberados para casa no dia 18, Sexta. Estavam prontos. Meu exame de sangue ainda dava algumas "retretas". Mas o que eles me ensinaram não tem preço: aprender a ter paz de espírito dentro de um quarto de hospital sozinho. Sou muito grato a DEUS pela vida dos companheiros de quarto que iluminaram a minha vida fazendo com que eu aprendesse e tivesse a ter mais serenidade.

O dia da alta chegou no dia 19. Justamente no dia das manifestações do mês de junho. Talvez tenha sido uma mera coincidência... prefiro acreditar que haja algum grau de intencionalidade da Providência nisso. Sai de lá recuperado no sentido mais urgente, mas com fortes indicações de fisioterapia. Fisioterapia que dure um mês ou talvez seis, talvez um ano. Não sei. Sequelas sempre ficam, mas a gente não precisa ficar refém delas, basta trabalhar. Já ando bem dentro de casa e as tonteiras já passaram. Visitei o Fisioterapeuta na Segunda, dia 21, e recebi recomendação de usar o Respiron. Estou melhorando o sono e a força muscular, estou empenhado nisso.

Quando a gente recebe o diagnóstico de Covid-19 e precisa ser internado, a gente fica muito preocupado em perder a vida e o importante, num primeiro momento, é tentar se manter lúcido e forte para sair do CTI, isto para quem tem a oportunidade de se manter lúcido. Depois, e só depois, começar a fisioterapia "pós-Covid" de forma séria e aplicada.

Esta doença é desconhecida e muito debilitante, por isso tão assustadora. É preciso evitar sua propagação com todo empenho e recursos possíveis. Só estancando a pandemia poderemos voltar a alguma normalidade. Para quem conseguiu se recuperar, os problemas do paciente e os custos do Estado não acabam com a alta hospitalar. Os custos financeiros para o Estado são enormes e para os pacientes e família podem durar um tempo muito longo com muitos sofrimentos e incertezas. 

O governo tem sido sórdido ao falar que devemos falar dos vivos! Sim, O GOVERNO FEDERAL TEM SIDO SÓRDIDO E CÍNICO ao querer falar de quem "se curou da doença". Para começo de conversa, ninguém "se cura" de um vírus, o organismo aguenta, sobrevive, supera... talvez sejam os verbos mais adequados para se referir a quem entra e consegue sair vivo do hospital depois desta doença. Em segundo lugar, é um inferno estar num CTI lúcido, você quer sair dali desesperadamente. Não tem como não ter empatia por quem está lá e várias pessoas presenciam outras pessoas morrendo.

É muito comum as perguntas sinceras: "por que eu sobrevivi?" “Por que alguns tiveram que morrer?” Esse governo é responsável! Os mortos não ficam com sequelas, as mortes afetam famílias inteiras da forma mais cruel e irreparável. Os que sobrevivem, também, têm suas famílias afetadas inteiras e podem ficar com sequelas incuráveis. O Impeachment do Bolsonaro deixou de ser uma estratégia política para ser um imperativo moral e ético.

Gostaria muito de agradecer as pessoas que oraram por mim. Eu sei que vou cometer injustiças, e por favor, se você orou por mim, te agradeço. Eu gostaria muito de poder agradecer pessoalmente, com carta, vídeo... enfim.

Quem muito recebe, muito sente-se feliz, obrigado Daisy J. A. Netz!!! Obrigado Ana Carolina de Paula, Carolina Masotti Monteiro, Cris Travagin (o Antonie tah cada dia mais tritão!), Ian Lopes Neves, Sheila Freitas, Charles Anderson, André Kanasiro, Iverson Silva, Jonathan Monteiro, Luana Lombardi (Luana... é fisioterapia de manhã, tarde e noite), Liana Feitosa, Yria Freitas Tandel...

Tenho que agradecer a vocês porque vocês foram efetivamente mais importantes a minha família (meu pai e minha mãe) do que a mim num primeiro momento. Muito obrigado pelas orações e pensamentos. Muito obrigado pelos vídeos... (Cris, chorei muito)... eles foram muito bons para entender que eu não estava sozinho nessa. Sheila, saí dessa, saí! 

Gostaria de agradecer também a Helena, enfermeira, décadas de SUS, amiga da minha família! Muito obrigado. E parabéns pelo trabalho que você tem desempenhado! 

Quero agradecer também a toda equipe de médicos, enfermeiros, técnicos, fisioterapeutas, o pessoal da limpeza que são fundamentais para nossa recuperação, fonoaudiólogos, ass. sociais, enfim, todos os profissionais do Hospital Ronaldo Gazolla por fazer a Vontade de DEUS ser cumprida assim na Terra como ela é feita nos Céus, aqui no Brasil como o SUS é preconizado na Constituição — seja quem for, rico ou pobre, o SUS é escandalosamente pra todos, todas e todxs! A minha internação foi um um machado na minha cabeça sobre o SUS. E nesse sentido foi bom o machado! O SUS funcionando é o próprio caráter da Constituição Cidadã!

Gostaria de agradecer a Regina Simões Barbosa por se colocar de forma generosa ao lado do meu pai e da minha família (muito obrigado Regina!!!), a Sandra Salcedo que explicou bem ao meu pai o que cada medicamento estava fazendo comigo e pode acalmar...

Por que meu pai? Porque ele também pegou Covid, mas pode ficar em casa. Ele recuperou-se e está melhor. Minha mãe pôde visitar-me no hospital porque já estava com as duas doses da vacina tomada. Ela foi um pilar de sustentação! Uma rocha!

Tia Rosemary Barbosa, muito obrigado pelos pensamentos. Obrigado por orar.

Ana Paula De Lima Kapiche, muito obrigado pelos pensamentos e orações, finalmente estou em casa e me reabilitando. Espero que você e o Josué estejam bem e melhores! Um beijo na Olívia que não para de ser uma fonte de vitalidade! 

Gostaria de agradecer ao Jefferson Oliveira e a Selma Rodrigues que oraram por mim! Muito obrigado por tudo.

Leonard Olive del Monte valeu pela força, pelas orações, pela torcida, estou bem, em breve correndo! A vida é uma coisa muito Demócrito!
E por fim, mas não menos importante gostaria de agradecer ao meu irmão - Luis Paulo Costa por ter me ajudado na locomoção quando não podia nem dar dois passos, a Daniele Fernandes por ter aberto caminhos e ter conseguido que a internação fosse a mais rápida possível, o que faz aquela diferença entre a vida e a morte. 

Ainda tenho muito a agradecer e com certeza encontrarei mais pessoas para isso. Pode parecer meio over... mas quando encontramos a morte de perto a gente fica querendo agradecer pela VIDA que temos.

PublicidadePublicidade