O livre arbítrio como excludente de responsabilidade da indústria tabagista
Basta o órgão público (Procon) querer que o consumidor agradece!
"Os famosos cigarrinhos da Pan que induziam às crianças ao ato de fumar já não circulam mais. Isto sem muitas demandas que se arrastam na justiça. Uma simples notificação do Procon de Vila Velha/ES, bastou para resolver o problema".
A ação espontânea do fumante em fazer do cigarro seu costume de vida vêm sendo profundamente esteada nas decisões pronunciadas pelos Tribunais nacionais. Com esta linha de raciocínio, suscita-se a excludente de culpabilidade da indústria do fumo, plantada na culpa exclusiva da vítima.
Assim, o livre arbítrio passou a ser um dos argumentos mais legitimados pela jurisprudência, conforme várias decisões.
A título de ilustração, transcrevemos apenas uma:
LIVRE ARBÍTRIO E POSSIBILIDADE DE PARAR COM O USO DO CIGARRO. A atividade de fumar é daquelas que tem início e continuidade mediante livre arbítrio do cidadão, não se podendo reconhecer que a atividade de fumar tenha início e se dê tão somente por força de propaganda veiculada pela indústria fabricante de cigarros. Também é certo afirmar que eventual vício contraído pelo usuário do fumo não é permanente e irreversível, já que a cessação da atividade de fumar é um fato notório e que depende única e exclusivamente do consumidor. (TJ-RS – Ap. Civ. 70022408231 – Rel. Des. Paulo Antônio Kretzmann – Julg. em 08/05/2008)
Primeiramente, cabe uma pequena correção que passa aparentemente despercebida.
O nobre Relator diz:
“não se podendo reconhecer que a atividade de fumar tenha início e se dê tão somente por força de propaganda veiculada pela indústria fabricante de cigarros.”
O que a indústria tabagista veicula não se trata de mera propaganda, tendo em vista que por definição está é gratuita. A exemplo temos a propaganda eleitoral.
O que é veiculado nos meios de comunicação social propagando esses produtos é denominado publicidade. Como bem define Rebaça e Barbosa::
“Qualquer forma de divulgação de produtos ou serviços através de anúncios geralmente pagos e veiculados sob a responsabilidade de um anunciante identificado, com o objetivo de interesse comercial".
Melhor dizendo: Persuadir o consumidor a fidelidade do produto, mediante imagens, linguagem subliminar, etc.
Portanto, bem diferente da inofensiva “propaganda” inserida inadequadamente na decisão acima transita.
Por outra banda, após o advento do Código do Consumidor o Governo Federal, em especial o Ministério da Saúde, para não perder a fatia astronômica dos impostos sugados da indústria tabagista, encontraram uma fórmula com aparência de legalidade. Confira-se:
Lei LEI Nº 9.294, DE 15 DE JULHO DE 1996.
§ 3o As embalagens e os maços de produtos fumígenos, com exceção dos destinados à exportação, e o material de propaganda referido no caput deste artigo conterão a advertência mencionada no § 2o acompanhada de imagens ou figuras que ilustrem o sentido da mensagem. (Redação dada pela Medida Provisória nº 2.190-34, de 2001)
Vamos transcrever alguns artigos do Código do Consumidor (leia-se: da mesma ordem hierárquica da LEI Nº 9.294, DE 15 DE JULHO DE 1996, com algumas observações sem adentrar no mérito:
Art. 4º A Política Nacional das Relações de Consumo tem por objetivo o atendimento das necessidades dos consumidores, o respeito à sua dignidade, saúde e segurança, a proteção de seus interesses econômicos, a melhoria da sua qualidade de vida, bem como a transparência e harmonia das relações de consumo, atendidos os seguintes princípios: (Redação dada pela Lei nº 9.008, de 21.3.1995)
d) pela garantia dos produtos e serviços com padrões adequados de qualidade, segurança, durabilidade e desempenho.
CAPÍTULO III
Dos Direitos Básicos do Consumidor
Art. 6º São direitos básicos do consumidor:
I - a proteção da vida, saúde e segurança contra os riscos provocados por práticas no fornecimento de produtos e serviços considerados perigosos ou nocivos;
SEÇÃO I
Da Proteção à Saúde e Segurança
Art. 8° Os produtos e serviços colocados no mercado de consumo não acarretarão riscos à saúde ou segurança dos consumidores, exceto os considerados normais e previsíveis em decorrência de sua natureza e fruição, obrigando-se os fornecedores, em qualquer hipótese, a dar as informações necessárias e adequadas a seu respeito.
Parágrafo único. Em se tratando de produto industrial, ao fabricante cabe prestar as informações a que se refere este artigo, através de impressos apropriados que devam acompanhar o produto.
Art. 9° O fornecedor de produtos e serviços potencialmente nocivos ou perigosos à saúde ou segurança deverá informar, de maneira ostensiva e adequada, a respeito da sua nocividade ou periculosidade, sem prejuízo da adoção de outras medidas cabíveis em cada caso concreto.
Numa rápida leitura aos dispositivos, o notamos no dia a dia, ironia ou não, o Ministério da Saúde faz às vezes do fornecedor em dar as informações necessárias e adequadas a seu respeito.
Confira a cartela de qualquer maço de cigarros:
Na parte da frente vem o chamariz (onde deveria vir ostensivamente à advertência de fácil constatação a vista do consumidor)
Na lateral direta: “Este produto contém mais de "x" substâncias tóxicas.....
Na lateral esquerda: o SAC – os ingredientes: Alcatrão, Nicotina e Monóxido de Carbono e a validade, etc.
Na parte de trás: cenas da miséria humana e as doenças que causam.
O descaso não fica só ai: Na internet temos a Souza Cruz com seu ‘slogan’:
"100 anos contribuindo para o desenvolvimento do Brasil!?"
Na verdade, é que no Brasil, são produzidas 200 mil vítimas do tabaco anualmente. Essas mortes prematuras, segundo o Ministério da Saúde, poderiam ser evitadas se os pacientes abandonassem o vício a tempo. Conforme as estatísticas, nove entre dez pacientes com câncer de pulmão são fumantes.
Enfim, o nosso propósito é mostrar que um pouco de boa vontade sem tomar partido daqui e de acolá, a história desse país poderia mudar com ações simples, firmes, sem qualquer conotação partidária.
Como analogia citamos a nossa ação quando trabalhos no Procon de Vila Velha/ES, no ano de 1996.
Os famosos Cigarrinhos de Chocolate ao Leite da Indústria Paulista Pan que circularam por 50 anos em todo território nacional, traziam em sua rotulagem duas crianças ostentando cigarros entre os dedos. À época recebemos uma reclamação de uma consumidora sobre a possibilidade da publicidade de estimular crianças ao ato de fumar.
Após analisar o assunto, a empresa foi notificada para adequar seus produtos aos ditames do Código do Consumidor. E assim, a empresa retirou das mãos dos cinquentenários garotinhos tais cigarrinhos e o produto se passou a chamar Rolinhos de Chocolate ao Leite.
Moral da história: Quando um consumidor deixa de reclamar, quem perde é a coletividade!