Médica à Beira de um Ataque de Nervos
Mas é preciso ter força, é preciso ter raça. É preciso ter gana sempre!
Não sei como está o moral de vocês, após um ano de pandemia. Se alguém abraçou o negacionismo ou abdicou de se informar pra se manter numa zona de conforto, eu até entendo. Porém, lamento informar, que a declaração a seguir pode assustar. Então, peço perdão a possíveis susceptibilidades e também licença, mas é pra você mesmo o desabafo!
Convido-o a sentar-se comigo, abrir uma garrafa de vinho, para juntos chorarmos as mágoas, porque mesmo em lados diferentes numa coisa todo brasileiro se equivale. Como diria a "profetisa e filósofa" Dilma: "Não acho que quem ganhar ou quem perder, nem quem ganhar nem perder, vai ganhar ou perder. Vai todo mundo perder." Entenderam, agora? Pois é, às vezes, um choque de realidade é necessário.
Mas, se ao contrário, você tem plena consciência de tudo, e por isso está beirando o desespero, mais válido ainda é o convite, quase um apelo: fica comigo! Ninguém larga a mão de ninguém!
Bem-vindos ao Titanic chamado Brasil! Coloquem seus coletes flutuadores porque estamos entrando em colapso, como bem definiu o biólogo e pesquisador brasileiro Átila Iamarino em live recente. E não é apenas (se é que seja pouco!) o maior colapso sanitário do Brasil nos últimos cem anos! Temos os colapsos consequentes do grande COLAPSO: colapso econômico, social... emocional!
Brasileiros minimamente conscientes e informados estão colapsando! Alguns dias, choro de raiva e de tristeza. E a gestão desastrosa do governo federal é mais um fator, senão o principal, a sugar nossas boas energias e fomentar separação, ódio e desesperança. O momento pede união, compreensão e solidariedade.
"Seremos seres humanos melhores, depois da pandemia!", previam os otimistas. Um ano depois, sem um plano de vacinação nacional eficiente e confiável, pessoas furando a fila da vacina, gente fazendo buzinaço contra lockdown na frente de CTI lotada, presidente minimizando a crise e falando "gracinhas". Evoluímos em quê? Só em número de casos e mortes!
Recentemente, tomei a segunda dose da vacina e, orgulhosa, enviei a imagem do cartão de vacinação à minha mãe, que mora no interior de São Paulo. O sentimento foi de alívio, embora, temporário. Mantivemos a apreensão, por ainda não saber quando seria a vez dela. Pouco depois, no dia da mulher, ela me avisou que recebera a primeira dose. Foi um respiro, pra quem se debate num mar revolto de notícias desalentadoras somadas à total inépcia do governo e equipe de saúde, porém foi apenas uma gota no oceano.
Quando se tem noção real do perigo e se vive no olho do furacão é difícil não se assustar com tanto descaso e desmando. Saber o quanto já deveríamos ter progredido, só aumenta a frustração e indignação. O Governo Federal tem informações privilegiadas. Ações deveriam ser guiadas por dados precisos, números, estatísticas, CIÊNCIA e não por achismos.
Embora o PR negue que disse, ninguém esquece o famigerado discurso onde chamou a pandemia de "gripezinha". Tudo exagero da "imprensa golpista", era o que ele achava e parece que ainda acha! Bora parar de mimimi!
Como pessoa adulta e madura penso, que quanto maior o poder, influência e consciência, maior a responsabilidade e maior deve ser a cobrança. Então, quem é o grande responsável? Ou, no atual contexto, o grande irresponsável?
Pra quem não me conhece, sou médica clínica, no único hospital da cidade de Santa Teresa, no Espírito Santo. Não trabalho na emergência, nem no CTI - COVID, onde a tensão é ainda maior. Mas, toda a dinâmica de um hospital muda, em consequência da pandemia. E não poderia ser diferente! Enquanto isso, alguns contemporizadores "argumentam", provando total desconhecimento, pra não dizer estupidez: "agora, só morre gente de COVID? É só COVID, COVID, COVID?!"
Sim, senhores, bem-vindos à realidade! Todo o sistema de saúde gira em torno do vírus! A gente dorme pensando nele! Acorda, pensando nele! No mínimo, esperava-se que o presidente da república, a cada respiro que desse também se empenhasse mais, e melhor, considerando os quase 300.000 brasileiros que morreram de COVID até o momento!
Números não têm cara! Mas nós os vemos, olho no olho, todos os dias! A apreensão e angústia estampada. Cada pessoa da enfermaria que isolamos e precisamos testar, o tempo de espera pelo resultado do swab nos parece uma eternidade. É uma angústia lidar com pacientes e familiares, fragilizados física e emocionalmente. São apelos rotineiros: "pelo amor de Deus, não transfira nosso pai pra longe de nós!" Afastados temporariamente de seus queridos, esses filhos, netos, amigos...buscam ansiosos por notícias!
Embora nossa cidade não esteja no epicentro da crise, já chegamos à situação de avaliar quem mais precisa da vaga de CTI. Avaliar quem está mais grave. Quem tem mais chances. Uma "dança das cadeiras" diária.
Mas, há momentos de alento, como quando choramos de alegria junto à filha que recebe a notícia da alta do pai, depois de quase dois meses de internação por COVID.
Médicos também adoecem. Eu, como muitos brasileiros, estou "adoecendo de Brasil", como escreveu Eliana Brum, num artigo contundente para o "El País" em agosto de 2019.
Não vejo minha mãe e meu filho, que estuda na Alemanha, há mais de ano, e não tenho previsão de reencontrá-los, o que seria remédio para meu atual pessimismo. Assim espero.
Para muitos profissionais da saúde, descanso não tem sido uma opção. Conheço colegas que se mudaram para o hospital e mal veem a família durante a semana. Por isso, os erros reiterados do governo e a indulgência de parte da população têm pesado ainda mais.
Somos o único país que, além de enfrentar a pandemia, tem um presidente que parece trabalhar contra o próprio povo e a favor do vírus!
Respiro fundo pra não tombar antes dele. (Posso ouvir um amém?)
[Este] é o som, é a cor, é o suor
É uma dose mais forte e lenta
De uma gente que ri quando deve chorar
E não vive, apenas aguenta
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