Eu li que o Brasil estava pegando fogo

Pensei que fosse fake news, ou notícia sensacionalista e descobri algo terrível

12 de outubro de 2021
atualizada em 12 de outubro de 2021
Um de tantos cliques tirado em uma de nossas caminhadas trilha a dentro, rumo ao Poço Azul no Distrito Federal
Um de tantos cliques tirado em uma de nossas caminhadas trilha a dentro, rumo ao Poço Azul no Distrito Federal

Chegou meu período de férias e resolvemos sair viajando, sem pouso certo, com destino a Brasília. Depois de quase dois anos isolados pela pandemia e com alguns assuntos para resolver, tínhamos apenas três paradas certas para um mês inteiro de aventuras. Economizando o máximo, nos jogamos em busca de recantos naturais que nos mantivessem ao ar livre e longe das aglomerações. 

Saímos do Espírito Santo rumo a Brasília e, antes mesmo de deixarmos Minas Gerais, começamos a encontrar cinzas por todo caminho. Parecia surreal, mas não tinha como não acreditar no que nossos olhos viam. 

Encontramos o Brasil literalmente em cinzas. Já não estava pegando fogo, mas as cinzas estavam lá, ocupando o lugar do verde floresta. O céu esteve constantemente esfumaçado, cheio de fuligem e nos parecia nublado. Foram raras as ocasiões que pudemos ver nitidamente o horizonte. Também encontramos alguns incêndios remanescentes. 

Depois de curtir a cidade de Socorro em São Paulo e Bueno Brandão, na divisa de Minas Gerais, nossa próxima parada foi em Delfinópolis - MG, uma cidade paradisíaca do Circuito Nascentes das Gerais e Canastra. O município possui vários complexos de cachoeiras e grande parte de seu território abrange o Parque Nacional da Serra da Canastra. Também está anexo o Vão da Babilônia, região com muitos atrativos turísticos, rota de trilheiros e admiradores da natureza. Com aproximadamente 7 mil habitantes, a cidade é um lugarejo simples, mas cheio de encantos. Quebrava a beleza ver seu céu cinzento. 

Perguntamos aos nativos delfinopolitanos sobre aquelas “nuvens”. Tanto nosso guia Vinícius, quanto outros moradores nos afirmaram que não se tratava de nuvens e sim fuligem das queimadas. Apenas depois de um dia de chuva foi possível ver o céu brilhar com seu azul cintilante. A chuva varreu todo o pó da atmosfera como um presente de Deus para nosso último dia e aventura na Casca D'Anta. Outros detalhes sobre o paraíso chamado Delfinópolis deixarei para um outro artigo específico que ainda vou escrever. 

Partimos das terras mineiras para Goiás e todo caminho foi marcado por longos trechos de cinzas e céu esfumaçado. O calor era intenso e a baixa umidade do ar era preocupação constante com a saúde de nosso grupo aventureiro. Ainda bem que estávamos preparados com muita água. Na cidade de Caldas Novas vimos o show colorido de um bando de araras invadindo a cidade para procriarem. Um lindo espetáculo, mas também sintoma de que algo pode estar errado com seu habitat natural. 

Saímos rumo a Brasília e a paisagem de cinzas não mudou. Após cumpridos os nossos compromissos no Distrito Federal, começamos o trajeto de volta por outro caminho para que pudéssemos visitar mais cidades e fugir das cinzas. Cinzas... cinzas e mais cinzas continuaram sendo a paisagem comum nas estradas.

Em Três Marias - Minas Gerais visitamos a Prainha da Represa do Rio São Francisco. Causava tristeza ver o nível da barragem tão baixo e a quantidade de crustáceos morrendo na areia. Já a caminho de Ouro Preto, recebemos a notícia que em breve um período de chuva mais prolongado chegaria. Mas antes disso, vimos o noticiário dando conta de grandes tempestades de areia avançando sobre cidades paulistas e mineiras. Eram tempestades do mesmo pó que encontramos nas trilhas que fizemos em Delfinópolis. Eram estradas de chão tão secas que o pó formava camadas altas de atoleiro onde o nosso carro não dava conta de passar, como se fossem poças de lama, porém exatamente o contrário: um pó fino e seco. Não era areia, era terra “morta"!

A viagem nos levou à lugares ainda lindos, mesmo com pouca água nas cachoeiras e muitas queimadas. Como nos disse um nativo da cidade de Cássia, todo calor e cinzas eram parte do purgatório antes do acesso às maravilhas que encontraríamos nos complexos de cachoeiras paradisíacas de Delfinópolis.

Todo contraste desta viagem fez com que nos apaixonássemos ainda mais pela natureza e fomos forçados a refletir sobre nossa existência e responsabilidade sobre o ecossistema. Com nosso descaso e agressões constantes à Terra, provocamos a falta de chuva e seca severa. A seca atraiu o fogo, enquanto homens maus se aproveitaram da desconstrução das políticas de preservação para queimar ainda mais as matas de "suas" terras e ampliar seus terrenos cultiváveis.

O fogo mudou a paisagem, matou o verde e cobriu de fuligem o brilho do azul celeste. A terra secou tanto que o pó invadiu cidades assustando e matando pessoas. Como eu gosto de dizer: “a natureza insiste em nos perdoar!” E nós testemunhamos este perdão em meio as cinzas, além da maldade humana. Mas até quando ela, a natureza, nos suportará? 

Em meio ao cinzeiro, e diante de nossos olhos, a natureza florescia. Um espetáculo da misericórdia. Isso mesmo! Flores! Como pedacinhos de surpresas, encontrávamos um buquê aqui e outro acolá. Uma das defesas da flora é a planta florir para gerar sementes e salvar sua existência. Graças a Deus, depois do fogo destruidor vieram as flores. E depois das flores veio um refrescante período de chuvas para garantir as sementes. Será que nossa ganância dará tempo para elas germinarem e salvar, ao menos, mais um ciclo de vida deste ecossistema?

(deslize a foto para o lado e veja cada um dos buquês de flores que encontramos nas diversas cidades onde passamos e caminhadas que fizemos)

Fico pensando: "o que eu fiz neste processo para evitar tanta destruição?"; "Será que estou sendo omissa?". Além de agredir e ferir a natureza com nosso consumismo incontrolável, nossa omissão favorecendo a ganância dos latifundiários, especuladores imobiliários e governo explorador e destruidor, nossa omissão pode estar tirando das próximas gerações a possibilidade de ter vida em abundância. Não dá para assistir tudo isso e ficar conformado e acomodado. Basta! Precisamos ativar nosso modo "extinto de sobrevivência" e fazer florir nossa justiça em meio a tantas cinzas da arrogância.

imagem de
Carmem Barcellos
Comendadora Augusto Ruschi, técnica em Meio Ambiente, graduada em Administração com habilitação em Marketing, pós-graduanda em Gestão Pública, bancária, eterna aprendiz e artista por vocação
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