Abandono afetivo
Deveres e direitos paternos
Hoje, nós vamos conversar um pouquinho sobre abandono afetivo que é um tema que está ganhando cada vez mais destaque nos tribunais superiores.
Por muito tempo se entendeu que a responsabilidade de criação e trabalho de cuidado era basicamente uma tarefa exclusiva das mães. Contudo, nossa legislação e tudo que está previsto em nossa norma legal é de fácil conclusão, que a responsabilidade de criar os filhos é de ambos os genitores. Mesmo que um dos pais acabe ficando mais a distância, como num processo de divórcio, por exemplo, isso não significa que ele não tenha nenhuma responsabilidade, ou nenhum dever de estar mais próximo e inclusive de ter uma relação de afeto e amor para o seu filho.
Segundo a ministra Nancy Andrighi, que foi relatora da RESP 1159242:
“não se fala ou se discute o amar e, sim, a imposição biológica e legal de cuidar, que é dever jurídico, corolário da liberdade das pessoas de gerarem ou adotarem filhos"
Infelizmente é muito comum vermos casais se separarem e o pai entender que a criança era acessória a mãe. Então, estes entendem que terminado o casamento, também acaba a relação de pai. Ou até mesmo homens que tiveram filhos de relações casuais, que não necessariamente tinha um vínculo com aquela mulher, acham que porque não foi uma escolha deliberada, logo não tem nenhuma obrigação. Será?
Muitos pais, equivocadamente, acham que simplesmente pagar a pensão determinada pelo juízo é o suficiente. Isso não só é muito cruel para criança, como também sobrecarrega injustamente as mães, pois elas acabam se tornando as únicas responsáveis por toda a tarefa de criação e cuidado com o filho.
Já está bastante consolidado que a ausência de uma figura paterna pode causar uma série de traumas e também a sensação de abandono culminando com o quadro de depressão. Cada vez mais se reconhece que a criação e cuidado com filho é um dever conjunto e deve ser compartilhado por ambos os genitores.
Mas, e quando esse dever é descumprido, o que acontece?
Surge o direito a indenização, ou seja, uma reparação por todo esse sofrimento, por toda esta rejeição. Uma remuneração para suprir a falta que o genitor fez na vida dessa criança, numa tentativa de provocar o judiciário. Não se pode obrigar um pai a amar seu filho, isso é impossível, porém a justiça tenta, de alguma forma, constrangê-lo para que no mínimo participe, ajude a criar e tenha algum tipo de afeto com essa criança, porque ela não pode ser prejudicada pelas atitudes desse genitor ausente.
E será que existe alguma outra medida que pode se tomar, além de uma indenização para fazer este genitor mais presente no dia a dia?
Em primeiro lugar é importante que se tenha o regime de guarda e convivência já fixados. Uma vez que se tenha esse regime já fixado, é possível cobrar judicialmente que este pai conviva com a criança, cabendo até a aplicação de uma multa. Mas o que se tem na prática é muito complexo. Será que vale a pena constranger um genitor a ver seu filho de forma forçada? Já vimos muitos casos de pais que por vezes não queriam estar na presença de seus filhos e cometeram atrocidades.
E qual o prazo para ajuizar uma ação de indenização por abandono afetivo?
Este entendimento é uma construção bem recente, mas qualquer ação de reparação por danos morais costuma ter o prazo de três anos para entrada. Esse prazo costuma ser contado a partir de quando o dano foi cometido. Nesse caso, como se trata de um dano construído ao longo de toda uma vida, fica um pouquinho difícil saber qual é o termo inicial para contar esse prazo. Na prática, tem sido considerado que esse prazo começa a contar a partir da maioridade, porque esse dever, essa responsabilidade que o genitor tem de criar seu filho, é só enquanto ele é menor de idade, só enquanto existe o que chamamos de “Poder Familiar”.
A partir da maioridade, esse poder não existe, não havendo mais responsabilidade do genitor em criar e cuidar de um filho. Em termos práticos, a pessoa tem até os 21 (vinte e um) anos para ajuizar tal demanda. Se a pessoa optar por ajuizar ainda menor de idade, inclusive aos 16 anos, ele precisa estar representado ou assistido por um maior de idade, geralmente a mãe.
Além do dano material, outra sanção possível e que se aplica ao pai desafetuoso é a destituição/suspensão do 'Poder Familiar'.
O Poder Familiar é híbrido, é um poder-dever. E por esse motivo, a destituição do Poder Familiar atinge o “Poder” sem atingir o “Dever”. Significa então, que o pai destituído do Poder Familiar exclui o mesmo dos poderes, mas não dos deveres. Em outras palavras, ele continua obrigado a prestar alimentos, a transmitir herança, etc. Além também de ser obrigado a pagar indenização, caso o filho menor de idade cometer, por exemplo, algum ilícito.
Melhor dizendo, todas as responsabilidades continuarão sendo impostas, contudo, todos os poderes lhe serão retirados. Quando esse mesmo pai chegar aos 60 anos, não poderá pedir, por exemplo, pensão alimentícia para o filho e o filho não será obrigado a dar acolhimento a este pai, exceto por livre e espontânea vontade.
* Sobre a autora: Marjorie Seidel é advogada Colaborativa, Membro da Comissão Estadual de Práticas Colaborativas da OAB-ES. Pós graduada em Direito de Família e Sucessões pela Faculdade Metropolitana de São Paulo.. Com especialização pela Universidade ESSEC Business School, no curso “Negociação, Mediação e Resolução de conflitos”; bem como o curso “Transformação do Conflito” pela EMORY UNIVERSITY, e ainda os cursos “Habilidades de Resolução de Conflitos”, “Tipos de Conflitos” e “Comunicação Intercultural e Resolução de Conflitos” todos pela Universidade da Califórnia. Para saber mais acesse o site: www.seideladvocacia.com.br