Democracia e as Mulheres

A igualdade política é pressuposto básico e seu grau de importância é relevante indicador da qualidade democrática

Elissa Felipe *
2 de novembro de 2021
atualizada em 3 de novembro de 2021

Quando o fascismo em Portugal foi derrotado, em 1974, iniciou-se mundo afora uma onda de democratização que alguns anos depois alcançou o Brasil.

Mas, antes desses novos ares, vivemos aqui um período de ditadura militar que durou 21 anos (1964 a 1985), com restrição à liberdade, repressão aos opositores do regime e censura.
Em 1988, a Assembleia Constituinte consolidou a transição de um regime autoritário para um democrático e restabeleceu a inviolabilidade de direitos e liberdades básicas; além disso, instituiu preceitos progressistas, tais como a igualdade de gênero, a criminalização do racismo, a proibição da tortura e direitos sociais, como educação, trabalho e saúde.

Nossa Carta Magna foi elaborada sob inspiração dos ideais iluministas: liberdades de expressão, de imprensa e de associação; estado laico e liberdade de religião; divisão entre Executivo, Legislativo e Judiciário, na ideia de que esses três poderes se fiscalizam para coibir abusos de poder.

Associado a esses princípios, a realização periódica de eleições livres, assembleias representativas e a alternância de partidos no poder, formam o que muitos cientistas políticos intitulam de democracia liberal (neste caso, o termo liberal não é no sentido econômico de livre-mercado).

Porém, a partir da crise econômica mundial de 2008, viu-se partidos e políticos populistas ganharem cada vez mais espaços de poder. A ONG americana Freedom House, que há 15 anos avalia a situação dos processos eleitorais e das liberdades civis em todos os países do mundo, demonstrou através de números, que, nestes quesitos, houve uma queda de pontuação em todo o planeta.

Neste cenário, vimos a ascensão de políticos como Trump e Bolsonaro. Esses líderes populistas, em suas falas e ações, promovem um ataque constante à Constituição, mas alegam respeitá-la e se respaldam afirmando que chegaram ao poder pela vontade do povo. Sim, venceram nas urnas, através do sistema eleitoral, democrático, que afirmam categoricamente não ser confiável e fraudulento.

E como esses caras chegaram ao poder
Populistas chegam ao poder porque capturam o desejo popular de ter VOZ. E vendem muito bem a ilusão de que é o que eles podem oferecer.

Essas lideranças trouxeram uma falsa promessa de “linha direta” com o povo. E para sustentarem esse discurso promovem ataques constantes às instituições como o Judiciário, à imprensa, ou mesmo ao sistema eleitoral para desacreditá-los.

As redes sociais têm sido um poderoso instrumento para esses embates, principalmente através de fake news e do uso de robôs que manipulam os algoritmos da internet reforçando o choque entre grupos e a propagação do ódio.

E quais os perigos advindos daí?

Trump ensaiou um golpe de Estado, mas a democracia americana se mostrou mais forte. Já Viktor Orbán, o primeiro-ministro da Hungria, está a uma década no poder depois de calar a imprensa e ONGs, aparelhar o Judiciário e se manter no poder a qualquer custo. Bolsonaro vem ensaiando, por enquanto sem sucesso, os mesmos passos, exceto na sua bolha de seguidores, que atendem as ordens do presidente e deixam de ler e assistir canais que não são manipulados pelas lideranças extremistas de direita.

E os riscos que corremos com líderes assim são de perpetuação no poder, controle das liberdades individuais e institucionais. Outro risco, que ocorre nas democracias em crise, é o de decisões e responsabilidades que o Estado deveria assumir, passarem para a esfera privada e individual deixando desassistida parte da população mais vulnerável.

A CPI da Pandemia mostrou que foi exatamente isso que ocorreu, quando servidores independentes da Anvisa foram ignorados ou retaliados pelos seus superiores. Por outro lado, houve o caso do plano de saúde da Prevent Senior, acusado de irregularidades durante o atendimento a pacientes. Isto custou muitas vidas!

Outro aspecto sobre o qual precisamos nos atentar diz respeito aos direitos das mulheres. As conquistas femininas foram frutos de um longo processo de lutas, mobilização e enfrentamentos. O direito ao voto e o direito a ser votada, direitos políticos, foram algumas das primeiras conquistas.

Precisamos estar atentos, pois “Basta uma crise política, econômica e religiosa para que os direitos das mulheres sejam questionados", diz Simone de Beauvoir.

É possível manter os direitos conquistados pelas mulheres e ainda avançar, principalmente, no que se refere às políticas públicas para as mulheres, sem que haja um sistema democrático consolidado?

A igualdade política é pressuposto básico da democracia e o seu grau é importante indicador da qualidade dessa democracia. E como está a inserção das brasileiras na política? Qual a sua representatividade nos parlamentos? Sabemos que a resposta para as duas perguntas é “baixa”. Essa sub-representação feminina nos espaços de poder e decisão é um elemento comprometedor de consolidação do processo democrático.

No momento atual do cenário político-econômico-social brasileiro, é mais urgente do que nunca que mulheres se mobilizem e se organizem pela defesa inflexível de nossa democracia. Há uma deficiência estrutural gritante nos diversos partidos políticos brasileiros para apoiarem candidaturas femininas. E para suprir esta falta, mulheres têm se reunido e fundado grupos femininos suprapartidários para suporte de outras mulheres que queiram participar como agente político nas decisões democráticas do país.

Deixamos como sugestão para nossos leitores, duas Associações de apoio a estas mulheres:

* Sobre a autora: Elissa Felipe é Psicanalista,
Coordenadora Municipal do Instituto Mulheres no Poder. Atuou como chefe de gabinete na Câmara Municipal de Vitória e Assessora técnica na Unidade Gestora do Programa da PMV em parceria com o BID. Colaborou com campanhas políticas e em Secretaria de Mulheres de Partido Político.

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