Cesan distribuiu água com produto cancerígeno em Santa Teresa

Excesso de derivados de cloro chegou junto com o líquido às torneiras da cidade entre 2018 e 2020, aponta levantamento com dados do Minstério da Saúde

10 de março de 2022
atualizada em 11 de março de 2022
Rio Timbuí no centro em frente à Prefeitura numa ocasião que foram cortadas árvores das margens. Foto: Arquivo/Bruno Lyra/ 03 - 09 - 2014
Rio Timbuí no centro em frente à Prefeitura numa ocasião que foram cortadas árvores das margens. Foto: Arquivo/Bruno Lyra/ 03 - 09 - 2014

A Cesan distribuiu água com trihalometanos, um subproduto do cloro e que pode provocar câncer, acima do limite legal entre 2018 e 2020 na sede de Santa Teresa. É o que aponta o levantamento feito pela agência Repórter Brasil com dados enviados pela própria Cesan aos órgãos de saúde, sendo que as companhias de saneamentos são obrigadas por lei a agir desta forma.

Em entrevista ao Convergente nesta quinta-feira (10), o gerente operacional da Cesan, André Luiz de Oliveira Lima, admitiu o problema com os derivados de cloro. Afirmou que a empresa já corrigiu a situação adotando um novo método de adição do cloro durante o tratamento da água nos mananciais que atendem a cidade.

André explicou que o trihalometanos, assim como outro subproduto do cloro, os ácidos haloacéticos, se formam no contato do cloro com a matéria orgânica que desce nos rios. No entanto as amostras não apontaram os ácidos haloacéticos acima do limite legal em Santa Teresa, diferente do que ocorreu em outras cidades capixabas atendidas pela Cesan e também por Serviços Autônomos de Água e Esgoto (SAAE).

Segundo o gerente, o problema que ocorreu em Santa Tersa e outras cidades se deu principalmente em período de seca, quando aumenta a concentração de matéria orgânica nos rios. Fato, que segundo ele, agrava a presença dos subprodutos do cloro quando este é usado para desinfectar a água durante o tratamento.

A sede de Santa Teresa é atendida pelos córregos Valão de São Pedro e Valão de São Lourenço, que se juntam perto da Prefeitura e ali formam o rio Timbuí. Este se junta com o rio Fundão e forma o rio Reis Magos, cujas águas alcançam o mar nos balneários de Praia Grande (Fundão) e Nova Almeida (Serra). O Reis Magos também abastece o município da Serra, cidade onde a Cesan também mandou água tratada com excesso de produtos cancerígenos entre 2018 e 2020.

Questionado se o aumento da poluição e degradação ambiental dos dois rios tiveram influência no resultado, André disse que sim, uma vez que os ácidos se formam com a interação do cloro adicionado para o tratamento da água com a matéria orgânica presente nela.

Natureza e degradação ambiental

Matéria orgânica existe naturalmente em qualquer curso d’água. Folhas, galhos, frutos e dejetos de animais da fauna silvestre são encontrados em níveis perfeitamente toleráveis. Mas o nível da matéria orgânica na água sobe expressiva e perigosamente com os impactos ambientais provocados pelas atividades humanas.

No caso dos Valões de São Pedro e São Lourenço, os impactos são mais agrícolas, uma vez que os pontos de captação da Cesan para tratar a água que atende a sede de Santa Teresa fica acima dos bairros. E esses impactos não são pequenos.

Desmatamento, assoreamento, carreamento de agrotóxicos, fertilizantes, lançamentos de resíduos de chiqueiros, granjas, pisoteio e fezes bovinas, acontecem em Santa Teresa, como também em áreas rurais de outros municípios das montanhas capixabas. E com o ‘plus’ dos chacreamentos e loteamentos desordenados dos últimos anos, que também afetam a qualidade dos cursos d’água.

Efeito no fígado, rins e sangue

Segundo a Agência Pública, trihalometanos são um grupo de compostos químicos e orgânicos que derivam do metano. Ele inclui substâncias como o clorofórmio, classificado como possivelmente cancerígeno pela Agência Internacional de Pesquisa em Câncer (IARC). A exposição oral prolongada a esta substância pode produzir efeitos no fígado, rins e sangue.

Além de aparecerem como subproduto do cloro usado na desinfecção de água, os trihalometanos são utilizados como solvente em vários produtos (vernizes, ceras, gorduras, óleos, graxas), agente de limpeza a seco, anestésico, em extintores de incêndio, intermediário na fabricação de corantes, agrotóxicos e como fumigante para grãos. Alguns países proíbem o uso de clorofórmio como anestésico, medicamentos e cosméticos.

Velho conhecido dos moradores da Grande Vitória
O excesso de derivados de cloro na água distribuida pela Cesan, já era conhecido por moradores da maior cidade do ES, a Serra, localizada na Grande Vitória. Em fevereiro de 2021 veio a público em reportagens do Jornal Tempo Novo a informação de que amostras de água referentes ao período entre 2016 e 2020 apresentaram níveis de contaminação de ácidos haloacéticos e trihalometanos acima do permitido por lei.

ES na vice - liderança na contaminação
química do líquido que chega pelas torneiras

O levantamento feito pela agência Repórter Brasil e divulgado na última segunda-feira (07) abrangeu os 20 estados que disponibilizaram os dados entre 2018 e 2020 para o Siságua (Sistema de Vigilância da Qualidade da Água para Consumo Humano) do Ministério da Saúde. O Espírito Santo ficou em 2º lugar no ranking da contaminação química da água que chega às torneiras, com 27,51 incorformidades a cada 1000 amostras analisadas. Só perdeu para o estado do Ceará, que chegou à 51,08.

O Espírito Santo ficou muito à frente da média entre os estados analisados, que foi de 2,06. Chama ainda mais atenção a contaminação das águas que chega às casas dos capixabas quando comparada a dois gigantes da economia nacional, São Paulo e Minas Gerais.

São Paulo, que é altamente industrializado e por isso tem muitas fontes de contaminação química em seu território, só teve 1,7 amostra problemática a cada mil analisadas. Já Minas Gerais, que tem boa parte da sua área impactada pela mineração – outra fonte de contaminação química expressiva – registrou 2,49 amostras fora do padrão.

Maioria dos municípios capixabas

O Espírito Santo tem 78 municípios. Destes, incluindo Santa Teresa, 46 apresentaram contaminação da água entre 2018 e 2020, segundo o levantamento. E o problema pode ser ainda mais grave, uma vez que 16 municípios não cumpriram a lei e sequer enviaram os dados para o Siságua.

Outras 16 cidades enviaram os dados e não registraram contaminação acima do limite previsto. Vale lembrar que a Cesan – empresa de propriedade do Governo Estadual - atua em 53 municípios capixabas, sendo que nos demais a gestão do sanemanento ou é feito por Serviços Autônomos de Água e Esgoto (SAEE), nestes casos autarquias municipais.

E a contaminação apontada no levantamento ocorreu tanto em cidades com a água tratada pela Cesan, quanto SAAE.

Entidades e instituições reagem

Diretor da Ong Juntos SOS ES Ambiental, Eraylton Moreschi, disse que desde que vieram a público os problemas com a água da Cesan na Serra. Ainda em 2021, a entidade passou a cobrar dos órgãos de fiscalização do Estado, através da formalização de denúncias, maior rigor para que a empresa adequasse o tratamento.

Eraylton lembra que, em 25 de agosto de 2021, a Associação Nacional das Donas de Casa e Defesa dos Consumidores do Brasil ingressou com Ação Civil Pública contra a Cesan. A Associação pediu que a Justiça obrigasse a empresa melhorar o tratamento de água e indenizasse consumidores afetados pela ingestão e outros usos do líquido contaminado no ES.

A situação também já havia repercutido na Assembleia Legislativa com o presidente da Comissão de Saúde e Sanemento, o deputado Hércules da Silveira (MDB), formalizando denúncia em abril de 2021 ao Ministério Público Estadual.

“Veja que esse é um problema antigo, anterior a 2018. E o que a Cesan informa agora, sem comprovação, é que cessou o fornecimento de águas cancerígenas. Porém o problema continua latente nos consumidores da água fornecida com produtos cancerígenos”, pontua Eraylton.

imagem de
Bruno Lyra
Jornalista especializado em coberturas ambientais e professor de geografia
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