Uma ucraniana na Barra do Jucu
Dias antes da guerra do Putin começar, uma ucraniana muito simpática se divertia despreocupada recebendo aulas de surf no Brasil
Anastasia e seu namorado alemão vieram ao nosso país convidados por alguns amigos que conheceram em intercâmbio na Dinamarca. Como estavam sozinhos hospedados na Barra do Jucu em Vila Velha - ES, resolvemos reservar um dia para levá-los conosco para conhecerem outras praias.
Saímos com Anastasia Zhuravlova e o Hannes Hart para conhecerem Guarapari. Ela e ele se encantaram com as Três Praias. Disseram que nunca tinham visitado um lugar tão paradisíaco assim. Sorriram com a criatividade brasileira em fazer uma torre de antena ficar parecida com um coqueiro. Nadaram muito, cataram conchinhas, e se esbaldaram na praia da Areia Preta fazendo ginástica olímpica nos precários aparelhos de barra. Saborearam açaí pela primeira vez na praia do Morro e amaram o bolinho de bacalhau que comemos na praia das Castanheiras. Foi um dia perfeito! Dava para perceber o quanto aquele casal estava despreocupado e curtindo as praias e o Brasil.
Com o meu inglês sofrível e o bom português principiante da Anastasia, conseguimos nos entender e nos divertimos muito naquele dia. Retornamos para casa exaustos e em paz.
Poucos dias depois, o casal já estava em Goiás quando saiu a notícia do início da guerra do Putin. Abruptamente interromperam suas férias para voltarem o quanto antes e encontrarem suas famílias e ajudar os refugiados. De repente, a paz que sentiam em terras brasileiras se transformou em angústia.
Desde então, tentei contato para obter notícias da Anastasia. Não sabia como ela estava. Vi que visualizou minhas mensagens no WhatsApp, mas não respondeu de imediato. Não sabia se ela estava em segurança, com medo ou machucada. Fiquei preocupada e em silenciosa oração, para que tudo isso passasse logo e menos pessoas morressem nesse conflito cruel, irresponsável, criminoso, fruto de mentes doentias, que se prenderam a um passado que não representa mais a realidade de hoje. Temo pela vida de muitas Anastasias (nome comum na Ucrânia).
A guerra nunca terá uma explicação lógica
Matar inocentes e destruir um país para subjugá-lo não é justificável. Nunca será. Pais são arrancados de suas famílias para enfrentar combates planejados por articuladores que se mantém seguros em locais protegidos. Jovens são oferecidos em sacrifício para lutarem por um ideal que nunca foi o deles, e seus sonhos são aniquilados. Mães, que não podem proteger seus garotos, são obrigadas a se despedir deles sabendo que nunca mais os verão. Mulheres são exploradas sexualmente por estarem em situação de abandono e fragilidade. Crianças são expatriadas “órfãs” de seus pais vivos, porque estes não podem deixar o país e têm suas vidas confiscadas para lutarem uma guerra que não é deles... terras são devastadas por bombardeios... culturas enterradas sob escombros... vidas assassinadas e ganâncias preservadas. Não tem justificativa!
Essas guerras são os sintomas mais evidentes de que as superpotências estão fragilizadas economicamente. Mas não sobre isso que noticiam. Estamos sob a influência de uma máquina de propaganda muito poderosa, que propaga a ideia de inimigos imaginários para não percebermos que suas bolhas econômicas estão prestes a explodir. E antes que explodam, as superpotências preferem explodir pessoas. Desse modo, seguirão movimentando sua indústria bélica para salvar a dita cuja, destruidora, economia capitalista.
Os EUA vivem a devastar outros países com argumentos que não podem ser comprovados. Milhões de vítimas, culturas e países arrasados e o mundo ocidental se cala e aceita. Na verdade, a mídia nem faz alarde sobre fatos reais e essas guerras passam por nós como paisagens. Sim, paisagens nefastas da ganância estadunidense que não nos causa indignação e nem comoção. Por quê? Porque são nossos ídolos hollywoodianos. Vivemos submersos num entretenimento que nos vende a ideia de que “os americanos” são os heróis do mundo. Pagamos caro, mas sempre compramos com muita satisfação.
Chega, né? Enquanto deixarmos que eles nos convençam disso, o mundo correrá perigo. E afirmando isto, não quero dizer que concordo com Putin ou qualquer outro homem sanguinário e belicoso. São psicopatas que chegaram ao poder, todos igualmente imperdoáveis. Por isso, devemos nos revoltar tanto com as guerras promovidas pelos EUA, quanto pelas promovidas por qualquer outro país.
Enquanto não despertarmos para a maneira como a mídia tradicional e as redes sociais nos moldam a seu bel prazer para que aceitemos estas atrocidades como “naturais”... enquanto não percebermos que nos aprisionam em suas teias de fake news, estaremos fadados a tornar sem sentido a nossa existência distraída e seremos apenas fantoches da matrix política que nos domina.
Nossa vida e nossa permanência neste planeta dependem de usarmos a capacidade que temos em promover a paz e a boa convivência entre os povos. Mas com acesso a armas nucleares tão potentes, qualquer ditador suicida que chegar ao poder nessas grandes nações poderá, por capricho e loucura, apertar um único botão de detonação que nos fará desaparecer instantaneamente.
Não podemos aceitar que algumas nações se imponham a outras pelas ameaças de guerra que fazem. Não devemos mais tolerar a vaidade de líderes reacionários que, para se manterem no poder, seguem pregando o sonho insensato de tornar sua nação “great again". Somos uma aldeia global e os países dependem uns dos outros. Nem um, sequer, é autossuficiente e pode se colocar acima dos outros.
Como bem lembrou meu querido amigo Daniel Rocha:
“A Alemanha foi subestimada, há pouco mais de 80 anos, quando vimos o mundo arder na pior guerra da história humana. Guerra que matou entre 70 e 85 milhões de pessoas, ou seja 3% da população mundial em 1940.
Para invadir, anexar e expandir territórios na busca por poder, sempre há um “boa” justificativa.”
Somos humanos que podem viver em paz se quiserem. Querer é a nossa maior questão.