Município da Grande Vitória incentiva a produção de comida sem agrotóxico

Prefeitura quer tirar veneno das propriedade rurais e do prato do consumidor, garantindo compra da produção e oferecendo mudas, adubo e assistência técnica, dentre outros benefícios

17 de março de 2022
atualizada em 17 de março de 2022
A Prefeitura vai comprar a produção orgânica para a merenda da rede escolar do município. Foto: Divulgação/Prefeitura
A Prefeitura vai comprar a produção orgânica para a merenda da rede escolar do município. Foto: Divulgação/Prefeitura

Localizada na Grande Vitória, Viana quer se tornar referência na produção agrícola sem veneno. O município está dando uma série de incentivos para que produtores rurais invistam na agricultura orgânica e na agroecologia, práticas que além de protejar a saúde e o meio ambiente, podem melhorar a renda dos agricultores.

Gerente de Desenvolvimento Rural da Secretaria de Agricultura do município, Francisco Sizino, explica que serão fornecidos assistência técnica, cursos, horas-máquina, adubo orgânico e mudas para os produtores. Além disso o Viana garante a compra da produção pagando valor superior ao do agricultura convencional para abastecer a merenda escolar da rede municipal de ensino.

Franscisco disse que atualmente não há nenhuma propriedade com certificação de produção orgânica no município. O objetivo é que os agricultores que aderirem ao programa de incentivos, batizado de Sistema de Agricultura Agroecológica e Ogânica da Cidade de Viana, possam obter tal certificação.

Francisco acrescenta que a certificação é um processo que pode durar até cinco anos, mas a partir do momento em que o produtor se cadastra no programa, já se considera a compra da produção dele como de alimento orgânico. Poém, o gerente lembra que antes disso a Secretaria de Agricultura irá até cada propriedade para acompanhar as práticas adotadas”, frisa Francisco.

O gerente disse que já são 58 produtores cadastrados. E agora em abril eles farão curso sobre o passo a passo necessário para certificar a produção orgânica. Será dado pelo Senar nos dias 11, 12 e 13 de abril (1ª turma); nos dias 18,19 e 20 de abril (2ªturma) e nos dias 25,26 e 27 de abril (3ªturma). Houve divisão em três turmas por conta no número de participantes. O curso será custeado pela Prefeitura, por isso o produtor que participar não precisará pagar.

Francisco ressalta ainda que o programa foi criado a partir da iniciativa do Ministério Público, através da promotora Isabela de Deus Cordeiro, que atua na Fazenda Pública e de Meio Ambiente de Viana. A ação tem apoio da Câmara de Vereadores, Incaper, Seag, Ministério da Agricultura, Ifes e FDV(Faculdade de Direito de Vitória). Tem também a Secretaria de Justiça do ES (Sejus), que entrou porque a prática também deve ser adotada no trabalho dos internos do presídio agrícola de Viana.

No último dia 22 o município fez um encontro do Pacto Ecológico Capixaba, que além dos produtores do município interessados em adotar agricultura orgânica e agroecológica, reuniu representantes das instituições citadas.

Confira abaixo íntegra da entrevista concedida por Francisco.

 

“Sustentabilidade, alimento saudável e respeito ao meio

 ambiente trazem valor agregado maior ao produtor”

 

Quando surgiu essa iniciativa?

Em 2019, através da Drª Isabela de Deus Cordeiro, promotora da Fazenda Pública e do Meio Ambiente de Viana. O ex-prefeito de Viana Gílson Daniel acolheu a ideia e o projeto segue se fortalecendo na atual gestão do prefeito Wanderson Bueno (PODE), estando o secretário de Agricultura César Lázaro com a missão de levar à frente o trabalho. O projeto também envolveu a Câmara de Vereadores, que apoiou a criação do Sistema de Agricultura Agroecológica e Orgânica da cidade de Viana, que compõe o Pacto Ecológico Capixaba. Depois foram chegando outros parceiros: Incaper, o Ifes, a FDV, a Seag, Ministério da Agricultura e Sejus .

De lá par cá foram feitas diversas incursões para conhecer algumas culturas orgânicas e também hortas orgânicas de produção de PANC (Plantas Alternativas Não Convencionais). Estivemos na USP para conhecer o case de lá, observamos também como funcionava a questão da alimentação orgânica na rede municipal de educação de São Paulo, onde de 1,5 mil escolas, 900 já usam há algum tempo alimentação orgânica.

Inclusive a banana que vai pra lá é de Cariacica, da região de Roda d’Água. A gente esteve em Jundiaí (São Paulo) e conheceu algumas expertises e políticas públicas práticas da produção agroecológica, de orgânicos e de consumo na rede pública municipal de Educação.

A gente conseguiu fazer em 2021 um seminário com as intituições parceiras e com produtores rurais de Viana, que responderam o edital de chamamento público. Inicialmente, foram 42 agricultores interessados. Mas no decorrer do processo outros apareceram e chegamos agora a 58 agricultores.

Ainda há vaga para mais agricultores de Viana se inscreverem?

Sim. Basta procurar a mim ou a agrônoma Roberta Bragato aqui na Secretaria Municipal de Agricultura de segunda à sexta-feira das 8h às 17h.

Além dessa mobilização, quais outras ações práticas da Prefeituras para ajudar esses agricultores?

A gente sabe da dificuldade do agricultor em começar com o processo de certificação do orgânico, dos custos, das possíveis perdas iniciais. Nossa agrônoma Roberta Bragato já esteve com esses agricultores explicando o que vai acontecer. Hoje a gente está falando em hora máquina, doação de composto (adubo orgânico), doação de mudas, auxílio na organização de cooperativas para comercialização, desenvolvimento de aplicativos para comerciliazação, tudo para impedir a ação de atravessadores. A Prefeitura também irá comprar a produção, com valor superior ao preço do produto cultivado com agrotóxico, para destinar como merenda na rede municipal de eduçação.

Fora as escolas há plano de fomento para venda desses produtos para outros públicos?

Acabamos de assinar um convênio de 25 anos daquela área do Calir (Na entrada de Vila Bethânia) para a Prefeitura de Viana. Vai ser o mercado municipal. Nós teremos um espaço ali para agricultura familiar. E esse prédio que estamos hoje onde funciona a Secretaria de Agricultura ( Em Viana Sede), existe proposta para ele ser derrubado para construção de uma paragem que será outro mercadinho para exposição e venda de produtos da agricultura familiar. A intenção é pegar o público que sobe para a região das montanhas pela BR 262.

Como será o processo de certificação?

Hoje a gente tem um grande desafio que é o início da certificação dessas propriedades rurais. Atualmente ninguém pode dizer que vende produto orgânico em Viana. E você não adquire o selo de certificação no início do processo, você tem até cinco anos para obtê-lo. Só que uma vez cadastrado, já consideramos que o produtor iniciou o processo. Para isso também iremos a propriedade para validar esse produtor.

Então a partir do momento que o produtor fez o cadastro como interessado ele já pode começar a receber os incentivos, certo?

Sim. Dizer que ele quer participar já é o passo inicial para ele estar no processo. Agora em abril a gente já vai estar oferecendo curso com Senar para esses inscritos aprenderem como fazer o processo de certificação. Serão três turmas dividas nas datas de 11 a 13, 18 a 20 e 25 a 27 de abril. Os demais incentivos começarão a ser concedidos na sequência.

E no último dia 22 de fevereiro Viana promoveu com o Ministério Público um encontro do Pacto Agroecológico Capixaba.Foi um evento fantástico com a participação de cerca de 40 agricultores do município. O evento foi aberto pela procuradora geral de justiça do Espírito Santo, Drª Luciana Gomes Andrade e dentre os demais presentes estiveram o prefeito Wanderson Bueno, o deputado Fabrício Gandini (Cidadania), vereadores e representantes das demais instituições envolvidas.

Você falou no início da conversa que a Secretaria de Justiça é uma parceira. É para adotar orgânicos na produção do presídio agrícola de Viana?

A gente tinha a ideia de construir produção de proteína animal no presídio no Presidio Agrícola. Eles têm três tanques lá disponíveis para isso e espaço para a produção de milho.

Num momento em que o Governo Federal e parte do Congresso atuam para afrouxar o controle de agrotóxicos, Viana fomenta a agricultura sem veneno. Por que?

Temos uma preocupação mundial, da ONU, por uma política de sustentabilidade. Além disso Viana uma zona rural com terrenos bastante acidentados, com muitos morros e montanhas. E nossas propriedades são basicamente compostas por agricultores familiares, cerca de 70%.

Viana não é lugar de grandes latifúndios. As maiores propriedades aqui tem gado. E a Secretaria de Agricultura percebeu que nossos produtores familiares, como os de banana por exemplo, estavam vendendo a preços muito baixos. Então a gente tem o compromisso de mudar a realidade desse agricultor. Sustentabilidade, alimento saudável e respeito ao meio ambiente trazem valor agregado maior ao produtor. Existem estudos que dizem que o produtor rural pode ganhar com 1 mil m2, R$ 5 mil por mês com folhosa, produzindo orgânico.

No dia do lançamento do Pacto Agroecológico Capixaba vários produtores de Viana disseram que estão buscando a agricultura orgânica porque tiveram problemas de saúde e até casos de morte da família por contaminação gerada pelo uso de agrotóxico. A Prefeitura tem um levantamento dos impactos do uso de veneno na agricultura do município?

Eu não posso dizer que conheço em Viana pessoas que tiveram comprovadamente problemas com agrotóxicos. Mas há o relato desses produtores. É uma preocupação nossa. Há um estudo da Fiocruz que fala que cada pessoa consome 7,5 litros de agrotóxico por ano, os tipos de câncer que isto produz, aborto, gera esterelidade no homem, pode desencadear o autismo em crianças de 0 a 1 ano. São coisas muito ruins e a gente está falando do consumidor urbano do produto agrícola. Então você imagina quem aplica o agrotóxico, o produtor rural, ele sofre muito mais. Então o Brasil está na contramão do mundo. Nem os Estados Unidos, que é um país liberal e extremamente capitalista, libera tanto o uso de agrotóxico.

Então mesmo com o apoio do Ministério Agricultura ao projeto da Agroecologia, não dá para afirmar que o governo Bolsonaro têm sido generoso com a agricultura familiar ….

A ajuda do Ministério da Agricultura é para, junto com a gente, dar acesso à certificação do produto orgânico. O que é válido. Mas, de um modo geral, nós temos um governo Federal que só estimula o agronegócio, ou seja, o grande agricultor. Para o pequeno agricultor não tem incentivo. Por exemplo, diminuiu recursos do Pronaf. Você conhece alguma linha de refinanciamento que tira 80% da dívida do pequeno proprietário rural? Não existe. Mas o cara da soja, o grande pecuarista, estes estão tendo 80% da dívida com Governo em Refiz (Programa de refinanciamento). Então o foco desse Governo que está aí é muito ruim.

Hoje se você entra num processo do Ministério da Agricultura para doação de máquina ao município, você vai fazer papel de bobo. Porque você faz todo o processo, cota produto, cota maquinário e o Ministério sequer te dá resposta do andamento do processo. De 2019 para cá só recebemos uma retroescavadeira e mesmo assim foi referente ao pagamento de uma emenda parlamentar de 2017.

Viana é um município produtor de água. Tem a bacia do Jucu, maior provedora de água da Grande Vitória e também de todo o ES, além da bacia do Formate/Marinho. O incentivo à agricultura sem agrotóxico também foi pensando na melhoria da qualidade desses rios?

Não é diretamente o objetivo do nosso projeto de agroecologia, mas do Programa Reflorestar, do Governo do Estado, que tem o apoio da nossa Secretaria Municipal de Meio Ambiente. Porém é claro que nosso projeto vai somar de sobremaneira na melhoria dos rios.

E para interessados em recuperação florestal, nós temos viveiro que doa as mudas. São mais de 20 mil pés de ipês, 50 mil pau brasil, palmito jussara. A gente tem também alguma coisa de frutífera aqui. Cajá mirim, cajá manga, araçaúna, jambo, maracujá doce e outras. Tudo para fornecer ao produtor rural.

A agricultura representa quanto do PIB de Viana?

Hoje não está representando muito, algo em torno de R$ 30 milhões de negócios/ano. O IBGE, no último PNAD, apontava que a gente tinha cerca de 8% de nossa população estava na zona rural. Mas acho que hoje esse valor é menor, pois a cidade tem 86 mil habitantes no total, então teríamos que ter 7 mil moradores na zona rural.

Mesmo assim todas as políticas que a gente tem pensado para a zona rural é no sentido de manter a população no campo, para evitar sitiamento e todos os problemas que isso pode trazer.

Algo mais que não tenhamos abordado?

A gente vai trabalhar de Viana a capital da agroecologia. Já tem outras cidades na nossa frente, com produção de orgânico, mas estamos partindo do pressuposto de que as gestões do ex-prefeito Gilson Daniel foram para recuperar a cidade, que foi governada antes por um grupo que não tinha visão de futuro. O Gílson teve que organizar a cidade, fazer com que ela se criasse economicamente para poder dar suporte ao que o Wanderson está fazendo agora.

Antigamente a Secretaria de Agricultura era só para mexer em estrada. Hoje não, com o secretário César Lázaro ela segue cuidando de estrada, mas agora trabalha a agricultura do ponto de vista da produção, para fomento de trabalho e renda no campo.

Hoje a gente tem um governo municipal extremamente preocupado com agricultura. Tanto que tivemos o ineditismo do programa Viana Mais Rural, que permitiu, após o temporal de março de 2021, a gente colocar máquinas em 80 propriedades rurais para ajudar o produtor. Também temos ações de fomento da tilápia, do peixe ornamental, do lúpulo. E agora essa da agroecologia.

imagem de
Bruno Lyra
Jornalista especializado em coberturas ambientais e professor de geografia
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