Pó preto de Vale e Arcelor é matéria prima para pintura em protesto contra a poluição

Há 26 anos o pintor e ativista capixaba Kléber Galveas faz trabalho artístico para denunciar grave problema ambiental e de saúde pública no Espírito Santo.

21 de março de 2022
atualizada em 21 de março de 2022
Tela feita com pó preto por Kléber numa das edições do projeto em 2012. Foto: Reprodução/Facebook
Tela feita com pó preto por Kléber numa das edições do projeto em 2012. Foto: Reprodução/Facebook

O pó preto lançado no ar pelas indústrias do Complexo de Tubarão (Vale e Arcelor Mittal Tubarão) que há décadas prejudica a saúde respiratória e o patrimônio dos moradores da Grande Vitória também é usado como matéria prima para pintar quadros.

Trata-se de uma iniciativa do pintor capixaba Kléber Galveas, que recolhe o pó preto vindo no vento até a varanda de sua casa na Barra do Jucu, em Vila Velha, localizada cerca de 20 km (em linha reta medida no Google Earth) ao sul das siderúrgicas. Com o material é pintada uma tela de tema alusivo ao problema.

A ação faz parte do projeto ‘O Complexo de Tubarão, a Vaca e a Pena’, iniciado em 1997 por Kléber para fazer uma “provocação artística” – como ele mesmo define - e chamar a atenção da sociedade capixaba sobre o grave problema gerado pela siderurgia.

Em publicação nas redes sociais, Kléber disse que a 26ª edição do projeto foi lançada no último dia 17 de março, quando é colocada uma tela branca virgem na posição horizontal na varanda de sua casa, voltada para a posição sudoeste e cercada de árvores que possui no quintal. O artista acresenta que, após 50 dias de exposição da tela à poeira, em 06 de maio, será feito um desenho sobre ela usando apenas o dedo. Kléber ressalta que essa é a metodologia usada desde o início do projeto.

Ainda na publicação, Kléber ressalta que ano passado mudou o nome do projeto, que até então se chamava ‘A Vale, a Vaca e a Pena’. “Acontece (a troca) por ser nossa intenção estender a provocação artística a todo o Complexo de Tubarão, que envolve mais de uma empresa. Também não é justo focarmos a nossa provocação artística apenas nas empresas poluidoras, quando o principal responsável é o Governo”, escreveu.

E foi além: “Em 2008, quando já existia uma consciência formada sobre a impropriedade da localização das siderúrgicas em Tubarão, e elas obtinham um lucro astronômico, sem cuidar com zelo da poluição, o (então) governador Paulo Hartung nomeou para a Secretaria do Meio Ambiente a ex-diretora (Maria da Glória Brito Abaurre) da empresa (Cepemar) encarregada da licença ambiental e autorizou a duplicação do parque siderúrgico e, consequentemente, da poluição”, criticou no texto publicado.

Ainda na mesma publicação, Kléber alerta para o alto índice de mortalidade que a poluição do ar provoca. “Segundo a Organização Mundial da Saúde, a pandemia da covid-19 matou 3 milhões de pessoas em 2020 e a poluição atmosférica 7 milhões. Não se percebe a contradição do governo, que diz zelar pela vida dos cidadãos? E a inércia dos capixabas que enfrentam problema sério e letal? Como explicar?”, questiona.

Empresas dizem operar dentro da lei

Toda vez que são questionadas sobre o pó preto que lançam no ar, Vale e ArcelorMittal afirmam que emitem os poluentes dentro dos padrões exigidos por lei e pelas licenças ambientais concedidas pelo Instituto Estadual do Meio Ambiente e Recursos Hídricos (Iema). Apesar disso, as duas empresas assinaram um Termo de Compromisso Ambiental (TCA) em 2017 se comprometendo a reduzirem suas emissões.

O fato é que o problema do pó preto persiste. Ainda mais quando junta o calor, o vento e a falta de chuvas na Grande Vitória, como tem ocorrido nas últimas semanas.

Órgão funciona em terreno doado por siderúrgica

Quando questionado sobre o problema da poluição das siderúrgicas, o Iema afirma que cumpre seu papel de licenciar e fiscalizar as empresas. E que diz que quando encontra incorformidades, autua e multa as mesmas, além de exigir correção das emissões além do limite legal.

A Sede do Iema fica em Jardim América, em Cariacicia, num terreno com prédios doados pela Vale. Esse terreno está localizado ao lado da estação Pedro Nolasco, onde há o embarque/desembarque no trem de passageiros da ferrovia Vitória- Minas. O atual diretor-presidente do Iema, o engenheiro mecânico Alaimar Fuiza, trabalhou 30 anos na Vale antes de assumir o cargo em 2019 a convite do governo Renato Casagrande.

imagem de
Bruno Lyra
Jornalista especializado em coberturas ambientais e professor de geografia
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