Opinião/ Águas de Santa Teresa na UTI
Esgoto, desmatamento, escassez severa nas estiagens, pisoteio pelo gado e até químicos cancerígenos no líquido que chega às torneiras servem de alerta no Dia Mundial da Água.
Nesta terça – feira (22) é celebrado o Dia Mundial das Águas. E Santa Teresa nada tem a comemorar. Pelo contrário, que a data sirva de alerta para o poder público, iniciativa privada, sociedade civil organizada e cidadãos a agirem para recuperarem em quantidade e qualidade esse bem fundamental à vida e à economia.
Dizer que as águas de Santa Teresa estão na UTI é redundância. Alertas sobre a destruição dos mananciais do município já eram dados décadas atrás por uma das maiores autoridades mundiais da ecologia, o cientista teresense Augusto Ruschi (1915 – 1986).
A situação é ruim até na água tratada das torneiras do morador do centro. Tanto que repercutiu no último dia 10 de março a notícia de que o líquido distribuído pela Cesan estava, entre 2018 e 2020, com produtos químicos câncerígenos em limite superior ao estabelecido por lei.
Quanto ao esgoto, embora a sede tenha uma coberturta acima da média, se comparada à outras cidades capixabas, basta olhar o curso urbano dos valões de São Pedro, São Lourenço e do rio Timbuí para verificar que ainda está longe do ideal. Sem contar o lixo doméstico acumulado no leito desses rios, reponsáveis por abastecer a população do centro e entorno.
No interior completam o cenário de degradação o desmatamento, aterros indiscriminados, lançamento de dejetos de currais e granjas, carreamento de agrotóxicos, ‘chacreamentos’ e ‘sitiamentos’ desordenados em áreas de brejos, nascentes e encostas, além de pastagens em margens de córregos com o impactante pisoteio do gado. Ações que ao longo dos anos transformaram rios caudalosos e cristalinos em regatos minguados de águas escuras ocultas entre capinzais. Isso quando não secam completamente durante a estiagem.
Mata Atlântica e Abundância
Por sorte e mérito do município, ainda há expressivos trechos de mata Atlântica em seu território. Seja nas reservas públicas e privadas, a floresta garante água em quantidade e qualidade nos rios e córregos que descem delas. Da Reserva Biológia Augusto Ruschi, a maior de todas com seus 3,5 mil hectares, localizada em Nova Lombardia, desce o rio Piraque-Açu. Este abastece mais de 140 mil moradores nas cidades de Aracruz e João Neiva.
As outras duas reservas públicas são o Parque Natural Municipal São Lourenço (312 hectares) e a Estação Biológica de Santa Lúcia (440 hectares). Delas descem águas do rio Timbuí, formador do Reis Magos. Este, além de atender a sede do município de Fundão, é responsável por abastecer parte da maior cidade capixaba: a Serra.
Das áreas particulares de floresta, destaque para a Reserva Particular do Patrimônio Natural (RPPN) Vale do Sol (82 hectares), mantida pelo ativista cultural teresense Antônio Ângelo Zurlo. Dali também descem águas da bacia do rio Reis Magos.
Santa Teresa ainda tem cabeceiras de outras duas bacias hidrográficas importantes para o ES: Santa Maria da Vitória e Santa Maria do Rio Doce. O primeiro flui para a região metropolitana do lindo cair na baía de Vitória entre Serra e Cariacica, abastecendo mais de meio milhão de pessoas, incluindo também o fornecimento de água para as gigantes ArcelorMittal Tubarão e Vale, integrantes do complexo de Tubarão. Um dos maiores complexop do mundo e pilar da economia capixaba.
Produção de comida e desertificação
Já o Santa Maria do Doce nasce na Serra do Gelo e flui para Colatina, abrangendo as terras baixas teresenses. Região de intensa produção agropecuária, que atende não só Santa Teresa, mas centros maiores, como a Grande Vitória e Colatina.
É a bacia hidrográfica mais degradada e, portanto, que mais precisa de ações para recuperá-la. Drena uma região com baixa cobertura florestal, uso intensivo de água nas lavouras, inclusive com registro de conflitos pelo líquido. E que sofre com a escassez de chuva, sendo uma das áreas em processo de desertificação no interior do ES.
Tanto que não é incomum as localidades abaixo, como São Roque do Canaã, ficarem completamente sem água durante as estiagens mais fortes. Vide o que ocorreu durante a superseca que castigou o ES entre 2015 e 2016.
O que é preciso fazer
Não há solução simples para um problema complexo como este, fruto de um modelo de desenvolvimento insustentável que perdura por gerações. E que predomina em grande parte do planeta. Mas algumas medidas podem ajudar muito.
Uma delas é cessar todo e qualquer tipo de desmatamento da Mata Atântica que ainda resta. O poder público não pode seguir autorizando as tais supressões vegetais e deve ser assertivo na fiscalização e punição aos infratores.
Ato contínuo, deve-se estimular modelos agrícolas mais limpos e sustentáveis. Por exemplo, a agrofloresta. Santa Teresa tem predomínio de agricultura familiar, dar subsídios, assistência técnica e garantir a compra da produção de quem adotar tal modelo pode melhorar a renda no campo e certamente vai ajudar a recuperar a água. O município de Viana, por exemplo, acabou de anunciar um programa nesse rumo e já conseguiu a adesão de 58 produtores rurais.
Imagine uma cidade com uma gastronomia e agroindútria artesanal rural tão boas, agregando a elas o selo de uma produção com menos veneno, mais limpa?
Outra ação importante é aumentar os investimentos em tratamento de esgoto nas áreas urbanas, criando mecanismos de controle e fiscalização da qualidade do serviço por parte da sociedade. Ainda nos rios urbanos, colocar telas para a contenção do lixo e removê-los periodicamente. Ideia simples e de baixo custo, que chegou a ser implementada no início da década passada pela prefeitura, mas que posteriormente foi abandonada.
Medidas já adotadas anos atrás pelo município, como construção/manutenção de caixas secas e implantação de pequenas barragens em locais de degradação crítica na zona rural também ajudam muito.
Sem contar que é preciso ampliar as áreas de reserva ambiental. E criar novas. Importa ainda dar assistência técnica e jurídica aos produtores interessados em receber recursos de programas estaduais como o Reflorestar e Pagamentos por Serviços Ambientais (PSA). E também no mercado de crédito de carbono.
Ensino e pesquisa
Santa Teresa tem tradição no ensino e pesquisa. E abriga ótimas instituições públicas e privadas que podem ser parceiras em projetos agrícolas - e outras ações - que agreguem geração de renda e recuperação ambiental: Esfa, Ifes, Instituto Nacional da Mata Atlântica (Museu Melo Leitão), por exemplo.