Tribunal reprova tratamento de esgoto da Cesan com parceira privada e cobra fiscalização do Estado
Parceria Público Privada com Aegea na Serra está na mira do Tribunal de Contas do Estado. Empresa também atua com a Cesan no esgoto de Vila Velha e Cariacica
A coleta e o tratamento de esgoto feito pela Parceria Público Privada (PPP) entre Cesan e Ambiental Serra não está bom e descumpre o próprio contrato do serviço, iniciado há sete anos. Além disso, dois dos órgãos responsáveis pela fiscalização da PPP, a Agência de Regulação de Serviços Públicos do Espírito Santo (ARSP) e Agência Estadual de Recursos Hídricos (Agerh), estão sendo omissos. É o que aponta o Tribunal de Contas do Estado do Espírito Santo (TCE-ES).
O resultado é a poluição de córregos, rios, lagoas e praias da Serra. Além de prejuízo para o consumidor, que paga 80% a mais na conta de água como tarifa de esgoto para que o líquido seja tratado e devolvido em boas condições ao meio ambiente. A decisão do TCE-ES que reprovou a qualidade do esgoto na Serra foi proferida no acórdão 504 em 29 de abril do ano passado.
O acórdão foi desdobramento de denúncias sobre o não cumprimento do contrato da PPP e má qualidade do tratamento de esgoto expressas no relatório final da 1ª Comissão Especial de Inquérito (CEI) da Câmara de Vereadores, entregue em setembro de 2016 ao TCE-ES.
O Tribunal considerou ainda que foi descumprida a meta de universalização da coleta e tratamento de esgoto no ano de 2015. E afirmou que a fiscalização do serviço, que deveria ser feita pela ARSP e Agerh, estava deficiente. Por isso, na decisão, recomenda que as duas Agências estaduais façam valer seus papeis legais.
No caso da ARSP, deve aplicar advertências e multas à PPP previstas em lei e no contrato de concessão firmado entre a Prefeitura da Serra, o Governo do Estado e a Cesan. Quanto à Agerh, o TCE-ES, recomendou que incluísse no seu escopo de fiscalização os efluentes das Estações de Tratamento de Esgoto lançados em rios, córregos e lagoas, afim de saber se estão cumprindo os parâmetros estabelecidos nas outorgas emitidas pela própria Agência.
O outro lado
A reportagem entrou em contato com a ARSP e a Agerh para comentarem a decisão do TCE-ES. Mas até o momento desta publicação ainda não havia recebido retorno. Caso se manifestem, terão seus pontos de vistas expressos aqui em atualização desta reportagem.
Já a Cesan, se posicionou e diz que prestou todas as informações requeridas pelo Tribunal e também pela Câmara de Vereadores. Confira a íntegra da resposta:
Todas as solicitações recebidas do Tribunal de Contas do Estado do Espírito Santo (TCEES) e da Comissão Especial de Inquérito (CEI) da Câmara de Vereadores da Serra foram prontamente atendidas.
Os documentos requeridos foram entregues, com os devidos esclarecimentos. A Cesan continua à disposição das autoridades competentes para prestar todas as informações que ainda se fizerem necessárias.
Os investimentos que foram realizados desde 2015 e os que estão em andamento visam disponibilizar serviços de qualidade, que contribuam na preservação e recuperação do meio ambiente, que promovam a qualidade de vida das pessoas. Esses são os nossos propósitos. Saneamento é a razão de existir da Cesan, a melhoria contínua faz parte de toda a empresa e estamos confiantes no trabalho que realizamos até aqui.
De solução ao histórico de polêmicas
Quando foi criada a Lei Municipal de 2013 que previa a PPP do Esgoto, o formato foi ‘vendido’ à opinião pública como fundamental para a ampliação das redes de esgoto e da melhoria na qualidade do tratamento. Argumentava-se na ocasião que a Cesan, sozinha, não teria fôlego financeiro para isto.
A PPP entrou em operação em 2015. A Cesan repassou a infraestrutura e os equipamentos para a Parceira privada, que inicialmente tinha o nome de Serra Ambiental e era formada pelo consórcio Sonel, Aterpa e Mauá Participações. Posteriormente com a entrada do grupo Aegea no negócio, a empresa passou a se chamar Ambiental Serra.
À parceira privada, cabe, além de toda a operação do sistema, fazer os investimentos para universalizar o serviço até o ano que vem. À Cesan, cabe supervisionar o serviço e remunerar a Ambiental Serra com o dinheiro arrecadado da tarifa de esgoto na conta de água paga pelo consumidor. O contrato é de 30 anos e o valor de R$ 1,250 bilhão. Segundo a Cesan, até agora foram investidos R$ 305,2 milhões.
Nesses setes anos houveram expansão das redes coletoras, o que também contribuiu para maior arrecadação da PPP, uma vez que tambem mais residências passaram a ter tarifa de esgoto cobrada. Mas não houve substituição de tecnologias nas ETEs e tampouco a contrução de novas. Fato que, ao lado dos problemas de vazamentos constantes nas redes, é alvo das principais críticas à PPP.
Auditoria e efluentes fora dos padrões
Uma auditoria do próprio TCE-ES, publicada em julho de 2021, apontou ineficiência de 18 ETEs. E mais, apontou também que a PPP dexou de investir R$ 120 milhões na melhoria das ETEs. Vale lembrar que a maioria das Estações em operação na Serra foram construídas nas décadas de 1980 e 1990, quando a população da cidade era bem menor.
Segundo o relatório da auditoria, a não aplicação desse dinheiro pela PPP feriu o contrato e teve como resultado direto a poluição de rios, córregos, lagoas e praias da Serra. A auditoria apontou também falhas na manutenção do sistema e descumprimento das metas de expansão do serviço determinadas pelo Plano Municipal de Saneamento Básico. E ainda acusou o município de não fazer a atualização do Plano no prazo previsto.
Por sua vez, em nota enviada a esta reportagem, a Cesan informou que o contrato dá prazo até 2024 para melhorias, ampliações e mudanças de tecnologias das ETEs.
O fato é que a insatisfação crescente com o serviço da PPP levaram, ano passado, a abertura de nova Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) na Câmara de Vereadores. Esta contratou laboratório independente para verificar a qualidade do efluente de 12 ETEs. As amostras foram coletadas entre fevereiro e março de 2022.
E o resultado foi que em nehuma delas o esgoto está sendo tratado dentro dos padrões estabelecidos por lei. Em alguns casos, também, não atendendo aos parâmetros das outorgas emitidas pela Agência de Rescursos Hídricos (Agerh). Por conta disso, na semana passada a Cesan foi multada em R$ 2,4 milhões. O mesmo valor foi aplicado à Ambiental Serra. As multas foram dadas pela Secretaria Municipal de Meio Ambiente (Semma). No entanto a Cesan diz que, até a data de ontem (31), a empresa ainda não havia recebido a notificação.
Até o momento não se tem notícia de sanções aplicadas pela ARSP e nem se a Agerh fez alguma fiscalização dos efluentes lançados pelas ETEs em rios, córregos e lagoas da Serra.
Empresa questiona resultados
A Cesan questionou os resultados das análises contratadas pela nova CEI da Câmara que apontam deficiências no serviço. Veja a íntegra da nota enviada à reportagem:
As Estações de Tratamento de Esgoto (ETE’s) operam regularmente, dentro dos padrões de eficiência estabelecidos pela Resolução Nº 430/2011 do Conselho Nacional do Meio Ambiente (CONAMA).
Eventuais não conformidades são e serão sempre tratadas conforme previsões contratuais. Importante esclarecer que, para se obter um resultado fidedigno à performance de eficiência das ETE’s é necessário realizar amostragens frequentes, análises isoladas, sem referenciais comparativos, podem não refletir a realidade do desempenho dos equipamentos.
Vila Velha e Cariacica também adotam modelo
Em 2017 Vila Velha também adotou a PPP do esgoto. Lá o contrato de 30 anos prevê investimento de R$ 1,4 bilhão em 30 anos, com a universalização da coleta e tratamento até 2028. O curioso é que a Cesan disse que o prazo para a melhoria das ETEs na cidade canela verde é também 2024.
Já em Cariacica a PPP começou a operar ano passado. Lá o contrato de 30 anos determina investimento de R$ 829 milhões. O prazo para a melhoria das ETEs é 2026. E para universalização do serviço é 2031.
Outra curiosidade sobre as PPPs na Grande Vitória: nos três casos a parceira da Cesan é a Aegea, empresa privada de seneamento com atuação nacional sediada em Cuiabá, Mato Grosso.