Ganância imobiliária está devastando a natureza do Caravaggio

Situação está enchendo de terra o rio que abastece a cidade e afetando cachoeira e piscina no Country Club. Florestas e nascentes estão dando lugar a condomínios de chácaras perto da rampa de voo livre

8 de abril de 2022
atualizada em 9 de abril de 2022
Áreas de Preservação Permanentes (APPs) como esta, perto da igrejinha do Caravaggio, estão sendo destruídas pelos loteadores. Foto: Bruno Lyra 08/04/22
Áreas de Preservação Permanentes (APPs) como esta, perto da igrejinha do Caravaggio, estão sendo destruídas pelos loteadores. Foto: Bruno Lyra 08/04/22

Cortes nos morros para todo lado, florestas derrubadas, solo exposto em grandes extensões nas encostas (foto 1), nascentes reviradas (foto 2), lençois freáticos expostos (foto 3), brejos aterrados (foto 4), construções à beira de cursos d’água, córrego que abastece a cidade com água amarela tomada pelo barro (foto 5). Esse é o cenário do Caravaggio, um dos circuitos turísticos mais importantes da cidade, que está sendo vítima de uma ganância imobiliária sem precedentes em Santa Teresa.

A destruição ambiental na região é o resultado do avanço do parcelamento de terrenos rurais em lotes e chácaras, principalmente nas proximidades da rampa de vôo livre. Nem a repercussão negativa, nos últimos anos, da falta de critério das ocupações no Caravaggio tem sido capaz de frear a devastação.

Na manhã desta quinta-feira (07) a reportagem esteve na região. Naquele momento não estava chovendo, mas a água do córrego da cachoeira do Country Club – a mais visitada de Santa Teresa – estava barrenta. E essa água cai no rio São Lourenço, que abastece o centro da cidade.

Em outras palavras, a destruição está afetando a qualidade da água que o teresense bebe. E pode também reduzir a quantidade, quando a estiagem chegar, uma vez que a situação reduz a absorção do líquido no solo e a alimentação do lençol freático.

Circulando apenas pela estrada do Caravaggio até a igrejinha, a reportagem viu poucas placas informando sobre licenças ambientais. Mas uma delas, em nome de uma imobiliária que atua na região, chamou a atenção: a placa estava no chão debaixo de uma cerca de arame farpado.

E o objeto já estava coberto parcialmente por capim. Foi preciso remover o capim para consequir ler que a empresa tem uma licença ambiental municipal simplificada emitida em 2019, que dá autorização para terraplanagem no interior da propriedade com objetivos agropecuários. No entanto o que se vê nada tem de agricultura ou pecuária, mas parcelamento do solo em terrenos pequenos e construção de casas. Muitas. Algumas até de alto padrão.

Água da Grande Vitória e São Roque do Canaã

A maior parte do vale do Caravaggio verte água para o rio São Lourenço, formador do Timbuí e do Reis Magos. Este abastece cerca de 150 mil moradores na região da Serra Sede e entorno. Isto significa que a destruição ambiental mostrada nesta reportagem piora também o abastecimento de água em parte da Grande Vitória.

Um pequeno trecho do Caravaggio onde, também, houve devastação, verte águas para a bacia do rio Santa Maria do Rio Doce. Este drena as terras baixas de Santa Teresa e passa nos distritos de Várzea Alegre e Barracão de Petrópolis. Depois chega a São Roque do Canaã até concluir seu curso no rio Doce, no centro de Colatina.

A bacia do Santa Maria do Doce é uma das que mais sofrem com escassez de água no Espírito Santo e está em processo de desertificação, apontam especialistas. Já está ficando comum, por exemplo, em São Roque do Canaã, a população ficar sem água em períodos de estiagem prolongada.

Situação pode prejudicar agroturismo

Empreendedor e referência no agroturimo de Santa Teresa, o professor aposentado José Alfredo Ferrari, reclama da falta de critério na ocupação por sítios e chácaras no Vale do Caravaggio, que é uma zona rural. Professor Ferrari é proprietário da Pousada Sítio Canaã, uma das primeiras da região, onde preserva fragmentos de mata Atântica e lagos artificiais que ajudam a conservar a água que abastece Santa Teresa.

As degradações estão acontecendo nas proximidades do sítio Canaã. Tanto que as lagoas do sítio, alimentadas pelo córrego que desce da região da rampa de voo livre, estavam bem sujas de barro na última quinta-feira. Vale lembrar que ao passar pelas lagoas, as águas seguem para o Parque Natural Municipal São Lourenço, formando a cachoeira do Country Club.

E na tarde desta sexta-feira (08), Dinho Gregório, um dos administradores da piscina natural formada pela cachoeira do Coutry Club, reclamou do excesso de barro na água do córrego. Situação que deixou a piscina irreconhecível, com a água bastante suja. Nos comentários da postagem de Gregório, moradores do município reclamaram que os órgãos ambientais constumam ser rigorosos com pequenos produtores rurais, mas complacentes com os responsáveis pelas terraplanagens de grande porte e loteamentos feitos no Caravaggio. A população observa indignada a ineficiência do poder público e instituições responsáveis por fiscalizarem e coibirem estes crimes.

Falta manejo de fauna e deputado aciona a Polícia

Ambientalista da ONG Juntos SOS ES Ambiental, Eraylton Moreschi, considera muito grave o que ocorre no Caravaggio. Segundo ele, o município autorizou algumas terraplanagens que geraram desmatamento na região. Porém, não houve emissão de autorização de manejo de fauna silvestre, conforme a própria Prefeitura admitiu à ONG em resposta solicitada através da Ouvidoria.

A autorização do manejo de fauna orienta o licenciado sobre o que fazer e para onde levar os bichos selvagens encontrados durante as obras. O objetivo é reduzir ao máximo a mortandade dos animais, alguns deles ameaçados de extinção. A ausência dessa autorização, segundo Eraylton, é ilegal. Por conta disso, a Juntos SOS ES Ambiental formalizou, nesta sexta-feira (08), denúncia ao Ministério Público Estadual.

E a degradação no Caravaggio também está repercutindo na Assembléia Legislativa. Também nesta sexta (08) o deputado Sérgio Majesky (PSDB) protocou denúncia junto ao Batalhão de Polícia Militar Ambiental (BPMA) para que faça um pente fino no Caravaggio.

Agência de Recursos Hídricos vai avaliar ação conjunta com outros órgãos

Responsável pela política de gestão das águas capixabas, a Agência Estadual de Recursos Hídricos (AGERH) também se manifestou. Em nota enviada à reportagem na tarde desta sexta-feira (08), a AGERH informou que vai avaliar a necessidade de uma ação conjunta no Caravaggio com outros órgãos ambientais.

Por sua vez, o Instituto de Defesa Agropecuária e Florestal do Espírito Santo (IDAF), que é quem dá autorização para desmate em situações que a lei permite, informou que irá se posicionar na próxima segunda-feira (11).

E até o momento da publicação desta matéria o Insituto Estadual de Meio Ambiente e Recursos Hídricos (IEMA) e a Prefeitura de Santa Teresa ainda não haviam retornado os questionamentos. Caso o façam, terão seus posicionamentos publicados neste espaço em atualização desta reportagem. 

imagem de
Bruno Lyra
Jornalista especializado em coberturas ambientais e professor de geografia
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