Tortura em Vila Velha na Sexta-feira da Paixão
Ele foi preso no poste, quebraram seus ossos e por pouco não foi morto
Na manhã desta Sexta-feira Santa (15), data religiosa que relembra a crucificação de Jesus Cristo e sua morte no Calvário, o município de Vila Velha, no Espírito Santo, viveu a representação macabra de um espetáculo de tortura. Justamente aquilo que os algozes de Jesus lhe impuseram. O jovem com problemas psiquiátricos, Daniel Batista Dias, foi amarrado a um poste e agredido por populares no bairro Cobilândia.
"Em terra de olho por olho e dente por dente, ninguém sabe quem será o próximo. O povo está voltando aos tempos da idade média como se não houvessem leis". (Comentou a escritora Vânia Venâncio)
Neste sábado (16) o Convergente conversou com uma parente de Daniel, que não terá seu nome divulgado por razões de segurança. Segundo ela, o rapaz estava em casa pela manhã descascando uma laranja, quando saiu pra rua em aparente surto psicótico. A família tentou encontrar o jovem, mas não chegou a tempo de impedir que ele entrasse num ônibus e tentasse assaltar passageiros com a faca que levava em mãos.
O homem foi rendido por populares, que não satisfeitos, amarraram o jovem num poste e protagonizaram uma cena de horrores. O amarraram fortemente e envolveram seu pescoço com a mesma corda. Não satisfeitos, segue o relato, bateram-lhe ao ponto de causar uma fratura no punho do rapaz, entre outras agressões verbais.
Enquanto alguns populares tentavam evitar que o agredissem ainda mais os familiares chegaram a tempo de impedir que o jovem fosse linchado. Nesse momento a polícia foi acionada, chegou rapidamente e levou Daniel preso.
Devido a repercussão do caso, os familiares de Daniel estão com medo, porque começaram a receber ameaças e xingamentos por redes sociais.
Essa familiar nos contou que Daniel, de 32 anos, tem uma história muito sofrida. Ele foi criado por mãe solteira que o cobrava a trazer o sustento para a casa. Mãe e garoto viviam uma vida de miséria e ele não conseguia trabalho formal. Na adolescência, Daniel passou a ter uma vida desregrada com uso de drogas e cometendo pequenos crimes até ser preso.
Num sistema penitenciário precário, Daniel foi vítima de maus tratos por outros presos ao ponto de apanhar tanto, que provocaram lesões cerebrais (TCE) que afetaram a normalidade de suas funções psíquicas, prossegue o depoimento dessa parente.
Antes de morrer, a mãe de Daniel o entregou para ser criado por outra pessoa. O rapaz foi adotado por uma mulher piedosa que o acolheu e o recebeu como filho verdadeiro. Porém, o jovem apresenta crises e surtos psicóticos com frequência, necessitando de prescrição de remédios e tratamento.
Em 11 de abril, daniel foi atendido na emergência da UBS de Jardim Marilândia e encaminhado para especialista neurológico (conforme documento entregue ao Convergente). Infelizmente, dependendo do SUS para cuidar da saúde mental do rapaz, a mãe adotiva de Daniel e família Biológica esperavam angustiados pela consulta e estão sofrendo pelo acontecido.
Os problemas mentais de Daniel e seu histórico de miséria familiar explicam o surto e crime. Lógico, que Daniel agiu mal ao tentar fazer um assalto usando uma faca dentro de um ônibus e precisa receber a punição proporcional. O que não se justifica, é após ele ser imobilizado, um grupo de homens seguissem o agredindo brutalmente. Só não o mataram porque foram impedidos por outros populares e pela própria polícia.
Fiquei pensando na Sexta-feira Santa de 2 mil anos atrás. Um homem santo foi torturado, humilhado e morto por uma turba que não sabia o que estava fazendo, mas escolheram voluntariamente obedecer seus líderes religiosos e decidiram que o Cristo deveria ser morto. A tortura física e psicológica foram tão violentas, que aquele Jesus de Nazaré não suportou a dor e seu coração se partiu o levando à morte. Ele não merecia ser torturado!
O julgamento desumano, a prisão, tortura e morte deste inocente personagem cristão, ao mesmo tempo salvou um criminoso que realmente merecia a condenação e a todos nós que cremos em sua morte substituta. Se os direitos do nazareno tivessem sido respeitados ele não sofreria o que não merecia. Bastava um julgamento justo. Devemos pensar: e se este acontecimento fosse hoje? Ele seria torturado? Penso que sim. Alguns dirão que aqueles eram outros, tempos de ignorância e selvageria onde tortura era legal. O que aconteceu em Vila Velha nesta Sexta-feira da Paixão (15) prova que não melhoramos.
Que tempos são estes? Estamos vivendo num mundo, e país, cada vez mais estranhos. Há tanto conhecimento e tantas leis para impedir que barbaridades e injustiças aconteçam, porém os homens estão cada vez mais inclinados a servir aos seus sentimentos mais irracionais, defendendo a tortura e a morte pelas próprias mãos. A banalização do mal vem crescendo sem controle dentro do próprio mundo cristão. Ou, pelo menos, daquele que se diz cristão.
Coincidentemente, o mesmo comportamento de religiosos que se levantaram contra o Salvador e o mataram com torturas cruéis em obediência cega aos seus pastores, se repete nos religiosos de agora. Gente que espuma ódio de morte aos que não são “bons” como eles.
O rapaz detido por populares em Vila Velha, foi preso e seguirá os trâmites legais para punição de seu crime. Mas, e se ele fosse morto? Cabe punição para quem o machucou, mesmo depois de rendido? Fazer justiça com as próprias mãos sem o devido processo legal ainda é crime no Brasil? A resposta é sim, à luz das leis do país. Só que estamos vivendo tempos estranhos, de profunda inversão de valores. A ponto de ser eleito presidente um homem que defende tortura e que teve como um dos lemas a frase anticristã “bandido bom é bandido morto”.
Infelizmente, essa brutalidade ocorrida em Vila Velha faz parte do cotidiano do país. Que sirva de reflexão sobre aquilo que não devemos fazer ao outro. Mesmo que este seja criminoso.
Hoje, eu recebi uma linda mensagem sobre o sentido da Páscoa e deixo como meditação para este domingo da ressurreição. Boa Páscoa!
Nossas expectativas não definem os atos de Deus
“Queremos o cavalo de guerra. Jesus monta um jumento.
Queremos a águia. O Espírito Santo desce como pomba.
Queremos pegar em espadas. Jesus toma uma cruz.
Queremos o leão que ruge. Deus vem como cordeiro morto.
Continuamos tentando armar Deus.
Deus continua tentando nos desarmar.”
(Creditada ao Reverendo Benjamin Cremer)