Livro baseado em pesquisa de doutorado resgata história de Guaçuí e atualiza debate sobre a formação

“História da construção de Guaçuí: aspectos da formação urbana no vale do Itabapoana capixaba (1920-1960)”

Marcos Cândido Mendonça *
18 de abril de 2022
atualizada em 18 de abril de 2022
Capa do livro História da construção de Guaçuí
Capa do livro História da construção de Guaçuí

O livro publicado pela Editora Dialética, é resultado da pesquisa de doutoramento realizada no Programa de Pós-Graduação em Geografia da Ufes, e constitui o primeiro e único trabalho sistematizado sobre a formação da cidade de Guaçuí (ES) localizada no vale do Itabapoana capixaba.

A obra visou compreender as transformações da construção da cidade de Guaçuí pela perspectiva da produção do espaço. Para tal efeito, investigou-se um conjunto de estratégias de investimentos de capitalistas locais na urbanização da cidade, como foram os casos da criação do serviço de abastecimento de água e da produção de moradias de aluguel. Essas iniciativas surgiram como efeito da inversão do excedente de valor acumulado no campo e no comércio de café para novas formas de acumulação que se materializavam na cidade por intermédio da atividade da construção.

Assim sendo, foi fundamental investigar os diferentes momentos econômicos experimentados pelo município integrados ao espaço regional do qual ele faz parte. Por isso, além de analisar a formação urbana de Guaçuí, o trabalho reconstituiu historicamente a formação da região sul capixaba, mostrando os aspectos diferenciais do vale do Itabapoana capixaba em relação ao restante do território espírito-santense.

A obra traz uma análise da formação histórica do vale do Itabapoana capixaba e da participação do município de Guaçuí no processo de ocupação das terras e montagem das fazendas para produzir café – o chamado ouro verde da época. A pesquisa incorpora e acrescenta leituras sobre a escravidão na região sul e seus desdobramentos após a Abolição. Nessa região, outrora extremamente apegada a escravidão, a análise da participação do trabalho escravo na organização da economia, foi um aspecto importantíssimo para compreender a organização da produção e seus estímulos ao fomento de atividades tipicamente urbanas.

A análise da construção de Guaçuí, partindo da compreensão de como se realizava a produção no campo e o comércio de café, investigou como a riqueza acumulada na esfera da produção e no comércio de café convergiu para a cidade, transformando seu espaço construído.

A dimensão econômica desse processo ligava-se com o político. Por essa razão, uma das trajetórias familiares na qual a pesquisa se debruçou para investigar, foi o caso da família Emery, que além de ser a responsável por diversas atividades econômicas ligadas ao desenvolvimento da cidade, possuía íntimos laços com a vida política do município e do Estado, fato que interferiu diretamente no processo de emancipação de Guaçuí. Assim, a trajetória dessa família, encabeçada por D. Emiliana Emery, grande empreendedora e cacique política do município, revelou aspectos importantes da batalha da elite guaçuiense contra o controle político de Alegre. Esse tema, entre tantos outros, é foco da análise. Nesse sentido, o livro além de investigar os interesses constituídos no processo de urbanização de Guaçuí, conta a luta política da elite guaçuiense por desenvolvimento e poder.

O trabalho percorre os anos obscuros do século XIX, no qual ocorreu a ocupação do solo do vale do Itabapoana com o fluxo de migrantes vindos de outras regiões, entre eles, dois membros da família Aguiar Vallim, do qual o ex-governador Chiquinho Lacerda de Aguiar era representante. Estes vieram em busca de cultivar o solo virgem com café, e depois de quase cem anos depois, membros das mesmas famílias são identificadas no projeto de crescimento econômico do município como polo comercial de café da “região do Caparaó”. Estudar tais trajetórias familiares foi igualmente conhecer trajetórias da riqueza e do poder, que trazem consigo seu paralelo oposto: o da exploração do trabalho e do solo, para o qual a escravidão foi uma das marcas mais tristes.

A obra, como é possível ser apreciado pelos leitores, traz uma marca de criticidade da ordem social vigente. Além do método de análise endossado, o trabalho baseou-se em amplo cabedal de fontes, desde bibliográfica, documental, fotográfica, e de depoimentos, que contribuirá para preservar fatos e episódios históricos, já a muito tempo ameaçados de esquecimento diante os desmazelos com a preservação patrimonial e documental no município de Guaçuí.

Foram quase dez anos de trabalhos em recolher e organizar informações para a apresentação desse estudo. Um fato pouco conhecido dos leitores, mas revelador do apreço do autor com a pesquisa, foi o início de realização de entrevista com antigos moradores do município, mesmo antes do início dos trabalhos de pesquisa no doutorado, e que em virtude das idades avançadas dos entrevistados, grande parte deles não pôde ver concluído o trabalho final.

Em virtude disso e de outros obstáculos encontrados no percurso da pesquisa, o autor mantém uma página no Instagram chamada Arquivo Guaçuí, onde disponibiliza material e divulga informações sobre a história e geografia do município capixaba de Guaçuí.

* Sobre o autor: Marcos Cândido Mendonça é Doutor e Mestre em Geografia pela UFES e Graduado em Geografia pela UFV.

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