Imagens aéreas revelam extensão da destruição ambiental no Caravaggio

Matas derrubadas, brejos aterrados, nascentes transformadas em lagoas impactam águas que abastecem Santa Teresa e biodiversidade. Um dos proprietários diz agir dentro da lei (leia ao final).

27 de abril de 2022
atualizada em 6 de agosto de 2022
Foto divulgação
Foto divulgação

Quem passa na estrada principal do circuito Caravaggio já consegue notar desmatamento da Mata Atlântica, cortes nos morros, aterros, solo exposto, nascentes e margens de córregos arruinadas por tratores. A maioria dessas intervenções - senão todas – para parcelamento de terrenos rurais visando a venda de sítios, chácaras e lotes. 

Do alto é possível perceber a dimensão dos impactos. Na última segunda-feira (25), Convergente produziu imagens aéreas da região revelando que a especulação imobiliária, a despeito do benefício econômico que gera para alguns, ameaça a água que abastece a cidade e o frágil equilíbrio ambiental que dá à Santa Teresa o status de “Doce Terra dos Colibris”. Equilíbrio que inclusive, ao lado da cultura local, é razão do município ser um dos principais destinos turísticos das montanhas capixabas. 

Tal como ocorreu na visita anterior da reportagem ao Caravaggio, no último dia 07 de abril, as águas do córrego São Lourenço estavam cheias de barro. Mesmo sem chuva no momento. O córrego forma a cachoeira mais visitada de Santa Teresa, a do Country Club. Queda d’água que está no interior do Parque Natural Municipal de São Lourenço, uma unidade de conservação de proteção integral. Um pouco mais abaixo, está um dos pontos de captação de água que a Cesan faz para abastecer o centro da cidade.

Licença para “atividades agropecuárias”

Além da dimensão dos estragos ao meio ambiente, também chama atenção algumas placas, dispostas ao longo da estrada até às proximidades da rampa de voo livre, indicando que as atividades são licenciadas.

As autorizações, em benefício de particulares, sendo eles alguns empresários e corretores imobiliários conhecidos em Santa Teresa, foram emitidas pela Secretaria Municipal de Meio Ambiente. Em algumas dessas placas há a informação de que a atividade é beneficiada pela dispensa de licencimento ambiental, desde que a obra seja exclusivamente para “terraplanagem executada no interior da propriedade rural e com objetivo agropecuário, inclusive carreador”. 

Mas, o que se vê, além de parcelamentos em áreas inferiores a 30 mil m2, mínimo exigido por lei em área rural, são cortes rasos de mata Atlântica com uso de trator. E mais: destruição de brejos de altitude, nascentes e córregos, que são Áreas de Preservação Permanente (APPs), para implantação de lagoas artificiais cercadas por gramas de espécies não nativas da Mata Atlântica. E, claro, platôs para construção de casas. Algumas já tão próximas umas às outras que vão dando à paisagem configuração de área urbana.

Água de beber e produzir comida

Além do já citado abastecimento do centro urnano de Santa Teresa, as águas do Caravaggio formam o rio Reis Magos. Este abastece cerca de 150 mil moradores na região da Serra Sede e entorno. Sem contar que tais águas, servem para irrigação da produção de alimento nas propriedades rurais.

A devastação na região do Caravaggio também está prejudicando águas da bacia do rio Santa Maria do Doce, precisamente no trecho entre a subida da rampa de voo livre e a igrejinha. É bom lembrar que o Santa Maria do Doce é fundamental no abastecimento dos distritos, comunidades rurais e das extensas áreas de lavouras e pecuária nas terras baixas de Santa Teresa, principal porção produtora de alimentos do município. Essa mesma bacia é reponsável pelo abastecimento de água do município de São Roque do Canaã.

Desertificação

A bacia do Santa Maria do Doce é uma das que mais sofrem com o processo de desertificação no Espírito Santo. Tanto que em épocas de estiagem prolongada, acirram-se conflitos pelo uso da água para irrigação de lavouras. E não raro falta água até para abastecer as casas das comunidades do famoso Vale do Canaã e adjacências, como ocorreu no centro de São Roque do Canaã durante a superseca de 2015.

Situação pode atrapalhar agroturismo, avalia empresário

Empreendedor e referência no agroturimo de Santa Teresa, o professor aposentado José Alfredo Ferrari, disse, no último dia 07 de abril, que falta de critério e controle na ocupação por sítios e chácaras no Caravaggio, que é uma zona rural. Professor Ferrari é proprietário da Pousada Sítio Canaã, uma das primeiras da região, onde preserva fragmentos de mata Atântica e lagoas cercadas de florestas que ajudam a proteger a água da região. Por causa das interveções, essas lagoas, outrora de águas limpas, estavam cheias de barro no dia 07 de abril. E continuavam barrentas no último dia 25, mesmo sem chuva naquela data.

Dinho Gregório, vizinho da piscina natural formada pela cachoeira do Country Club, lamentou em postagem numa rede social o excesso de barro, situação que deixou a piscina irreconhecível, com a água bastante suja.

E comentários da postagem feita por Gregório, moradores do município se queixaram que os órgãos ambientais constumam ser rigorosos com pequenos produtores rurais, mas complacentes com os responsáveis pelas terraplanagens de grande porte e loteamentos feitos no Caravaggio.

Falta manejo de fauna, sobra ameaça de extinção e deputado aciona a Polícia

Ambientalista da ONG Juntos SOS ES Ambiental, Eraylton Moreschi, considera muito grave o que ocorre no Caravaggio. Segundo ele, o município autorizou algumas terraplanagens que geraram desmatamento na região. Porém, não houve emissão de autorização de manejo de fauna silvestre, conforme a própria Prefeitura admitiu à ONG em resposta solicitada através da Ouvidoria.

A autorização do manejo de fauna orienta o licenciado sobre o que fazer e para onde levar os bichos selvagens encontrados durante as obras. O objetivo é reduzir ao máximo a mortandade dos animais (indispensáveis à saúde do ecossistema e) alguns (deles) ameaçados de extinção. A ausência dessa autorização, segundo Eraylton, é ilegal. Por conta disso, a Juntos SOS ES Ambiental formalizou, no último dia 08, denúncia ao Ministério Público Estadual.

E a degradação no Caravaggio teve repercussão na Assembleia Legislativa. Também no dia 08, o deputado Sérgio Majesky (PSDB) protocou denúncia junto ao Batalhão de Polícia Militar Ambiental (BPMA) para que seja feito um pente fino no Caravaggio. Até o momento da publicação dessa matéria, ainda não havia informação sobre a ação do BPMA na região.

Presidente do Instituto Brasileiro de Fauna e Flora (Ibraff), Claudiney Rocha, disse haver na região montanhosa de Santa Teresa espécies da mata Atlântica criticamente ameaçadas de extinção. Para ele, o que ocorre no Caravaggio e em outros pontos pode ser a pá de cal na existência de algumas delas.

“É o caso da saíra apunhalada, passarinho raro que ocorre na Reserva Biológica Augusto Ruschi e outras áreas de proteção em Santa Teresa, como o Parque São Lourenço, no Caravaggio. As matas que estão sendo destruídas por essa ganância desenfreada no Caravaggio servem de corredor ecológico para a saíra e outros animais ameaçados. Sem contar as novas espécies que estão sendo descobertas na região e já podem sumir. Tem o exemplo do pequeno anfíbio, uma perereca, batizada de Pixinguinha, catalogada pelos pesquisadores do Instituto Nacional da Mata Atlântica, em Santa Teresa”, pontua.

Claudiney cobra dos orgãos ambientais estaduais, como o Instituto Estadual de Meio Ambiente (Iema) e o Instituto de Defesa Agropecuária e Florestal do Espírito Santo (Idaf), além dos Ministérios Públicos Estadual e Federal mais fiscalização e controle sobre o que ocorre no Caravaggio.

Prefeitura e órgãos ambientais em silêncio

Desde o dia 07 de abril a reportagem tenta um posicionamento da Prefeitura de Santa Teresa sobre a situação. E desde o dia 08, do Iema e do Idaf. Até o última terça-feira (26) única manifestação havia sido da Agência Estadual de Recursos Hídricos (Agerh), que informou que iria avaliar o caso em conjunto com outros órgãos ambientais.

Mas no final da tarde da última quarta - feira (27) o Iema, através da sua assessoria de comunicação, retornou dizendo que a responsabilidade sobre o caso é da Prefeitura e do Idaf. A reportagem questionou o posicionamento, uma vez que o órgão - Instituto Estadual de Meio Ambiente e Recursos Hídricos - tem atribuição legal sim sobre situações de degradação de solo, fauna, flora e água, que é o caso. Mas não obteve retorno.

Pelo menos, desde o final de 2020 a degradação no Caravaggio é de conhecimento público. Na ocasião, o então prefeito de Santa Teresa, Gílson Amaro (falecido em 2021), pediu ajuda de órgãos estaduais e federais para tentar conter a destruição. Situação que foi repercutida em todo estado pela imprensa.

Idaf se manifesta na tarde de quinta-feira (28), confirma ocorrência de crimes ambientais e promete novas fiscalizações na região

Em nota enviada pela assessoria de imprensa às 16h desta quinta-feira (28), o Idaf disse que constatou diversos crimes ambientais nos últimos dois anos. Período em que foram emitidas 144 multas acompanhadas de embargos e interdições de obras. Confira a íntegra da nota. 

Coordenada pelo Instituto de Defesa Agropecuária e Florestal do Espírito Santo (Idaf), em parceria com a Polícia Militar Ambiental e o Núcleo de Operações e Transporte Aéreo da Secretaria da Casa Militar – Espírito Santo (NOTaer), uma operação de fiscalização foi realizada, em dezembro de 2020. Dentre os 38 pontos sobrevoados foram constatados a ocorrência de queimadas, supressão irregular de vegetação, terraplanagens em Áreas de Preservação Permanente (APP’s) e fracionamento de imóveis rurais abaixo da parcela mínima permitida por lei.
Um dos fatores que vem causando o desmatamento é a expansão de loteamentos irregulares de imóveis no município. As informações constadas durante o sobrevoo e fiscalização a pé pelo Idaf, relacionadas aos loteamentos irregulares foram encaminhadas para Prefeitura de Santa Teresa, que é a responsável pelo ordenamento do uso e da ocupação do solo, e também pelo licenciamento dos loteamentos. O Ministério Público Estadual também foi cientificado para que sejam adotadas as providências cabíveis nas esferas civil e criminal.
Além disso, o Idaf vem realizando um trabalho intensivo em busca de inibir o desmatamento no município. De 2020 até agora, foram lavrados 144 autos de infração que contempla multas, embargos das áreas e interdição de obras. Ainda neste semestre, o Idaf pretende, em parceria com o Notaer, realizar novamente um sobrevoo pela região do Caravagio.

Um dos proprietários se manifesta e diz que atua na legalidade

A reportagem optou por não divulgar nome dos reponsáveis pelas obras que ocorrem no Caravaggio pelo fato de ser difícil a identificação de todos. Mas após a publicação, um deles entrou em contato e pediu para ter seu ponto de vista publicado no espaço. Segue na íntegra esse posicionamento: 

O proprietário do terreno mostrado na primeira imagem da notícia “Imagens aéreas revelam extensão da destruição ambiental no Caravaggio” divulgada ontem no site www.convergente.news, vem por meio desta nota, esclarecer os fatos narrados indevidamente na reportagem de Bruno Lyra. 

Inicialmente esclarecemos que a matéria faz alusão a desmatamentos e parcelamentos do solo de forma irregular na Comunidade do Caravaggio e citam em especifico na primeira imagem utilizada na matéria, bem como as imagens que aparecem entre os 21 a 53 segundos do vídeo, que são áreas de “chacreamentos e loteamentos no Caravaggio”, contudo está não é a verdade dos fatos, pois se trata de uma área devidamente regular segundo a legislação ambiental e o Plano Diretor Municipal. 

Primeiramente se faz necessário esclarecer a população que o licenciamento ambiental é o procedimento administrativo pelo qual o órgão ambiental autoriza a localização, instalação, ampliação e operação de empreendimentos e atividades utilizadoras de recursos ambientais, consideradas efetiva ou potencialmente poluidoras ou daquelas que, sob qualquer forma, possam causar degradação ambiental, desta forma, o proprietario seguiu todas as normativas para a intervenção que fora realizada na área. 

No caso específico da foto da primeira imagem, se faz necessário esclarecer que não houve supressão de vegetação nativa na área, o que realmente aconteceu na área foi a limpeza de restos de plantação de eucalipto, sendo que todos os procedimentos adotados foram devidamente autorizados e licenciados pelos órgãos ambientais e de acordo com a legislação ambiental e o Plano Diretor Municipal vigente. 

Cabe notar que não se trata de parcelamento do solo rural de forma irregular, todo o procedimento que está sendo realizado na área, segue a legislação e o PDM em vigor. 

Assim, informa-se que as atividades realizadas pelo proprietário estão respaldadas em licenças ambientais emitidas dentro de processos administrativos instruídos com toda a documentação probatória necessária e legal para a expedição das mesmas.

imagem de
Bruno Lyra
Jornalista especializado em coberturas ambientais e professor de geografia
PublicidadePublicidade