Desaparece tela de pintor capixaba que critica impactos ambientais e sociais de novo porto no estado
Pintura 'À Beira do Caos' sumiu quando era levada de ônibus para ser usada em ato contrário à instalação de porto de minério, óleo e gás no litoral sul.
Inspirada em ‘Guernica’ de Pablo Picasso, a tela ‘À Beira do Caos’ do pintor capixaba Renato Filho está desaparecida. A obra critica os impactos ambientais e sociais do polêmico projeto do Porto Central em Presidente Kennedy, litoral sul do ES. E está sumida desde o final do ano passado, quando era levada de ônibus de Itaúnas, onde foi pintada, para a rodoviária de Vitória.
Mas só agora Renato tornou público o sumiço para tentar reaver a pintura. O artista conversou com a reportagem na manhã desta segunda-feira (02).
“A tela foi encomendada pela Fase, ONG que dá suporte à pescadores, ribeirinhos e outras comunidades tradicionais atingidas por grandes empreendimentos minerários, industriais e portuários. Como no caso de Presidente Kennedy, esses atingidos estão vivendo o medo da perda do modo de vida e de seu sustento. Então me inspirei na tela de Picasso (Guernica) que retrata os horres da guerra civil espanhola. Por isso também foi feita em preto e branco, o que remete à tristeza, à melancolia”, detalha Renato.
Segundo Renato, após pintar, a tela seria levada para Presidente Kennedy onde seria exposta em protesto contra a instalação do Porto, ocorrido no final de 2021. Renato disse que o ativista da Fase que iria buscar a tela, acabou tendo um imprevisto e não pode ir à Itaúnas.
“O protesto estava marcado para domingo. Era sábado e eu não sabia como fazer para enviar a pintura à Presidente Kennedy. Então fui à rodoviária de São Mateus e pedi a uma mulher e seu sobrinho, que iriam num ônibus de linha da Águia Branca para Vitória, para levar a tela. Na capital, o pessoal da Fase pegaria a tela e a levaria para o protesto no dia seguinte. Só que ao chegar na casa dessa mulher no bairro Caratoíra, a mesma disse ao pessoal da Fase que tinha esquecido no ônibus. Então essas pessoas foram à rodoviária e a operadora da linha disse que não encontrou tela esquecida no ônibus”, conta Renato.
O artista disse ainda que, desde então, nem a mulher nem o sobrinho dela atendem mais telefonemas.
“E nem retornam mensagens. A tela é pintada em algodão cru. Ela estava dobrada e guardada numa sacola plástica grande. E dentro dela havia um papel com três telefones do pessoal da Fase para que, em caso de extravio, a pessoa que encontrasse fizesse contato. Fico triste porque foi um trabalho que gostei demais, fruto de pesquisa e inspiração que tive no momento”, desabafa.
‘À Beira do Caos’ tem dimensão aproximada de 2,90 x 1,20 m. Quem a encontrar ou souber do paradeiro da mesma, pode ligar ou mandar mensagem para o número (27) 99976 – 0703 (Renato).
O gigantismo do porto
O projeto do Porto Central, em Presidente Kennedy, é privado e prevê investimento de R$ 3,5 bilhões, segundo cálculo divulgado pelo site A Gazeta. E segundo outros véiculos de imprensa locais, já está gerando especulação imobiliária, com aumento de preço dos terrenos e imóveis em Presidente Kennedy e entorno . A obra ainda não começou, mas já foram feitos trabalhos de retirada de solo num dos locais aonde será instalada lavra para fornecimento das rochas a serem usadas no porto.
Segundo site do projeto, o Porto Central ocupará uma área equivalante a 3000 mil campos de futebol. No litoral, vai usar uma faixa de 10 km onde ficarão espalhados píers e berços para ancoragem de supernavios cargueiros com capacidade de até 400 mil toneladas.
No seu entorno, o município de Presidente Kennedy irá ceder 6,8 mil hectares para a instalação de um polo logístico e industrial. E também será cortado pela futura ferrovia prevista para ligar Vitória ao Rio de Janeiro e concertar também esse trecho do litoral brasileiro às regiões mineradoras e de agronegócio do Centro-Oeste.
Ainda no site, os reponsáveis afirmam que o porto deverá dar suporte aos projetos de mineração/siderurgia, óleo e gás, estaleiros navais, além da movimentação de cargas em geral, como rochas ornamentais, carros, conteiners e produtos e insumos ligados ao agronegócio.
Para os críticos, há o temor de uma explosão populacional e de crescimento urbano desordenado, com consequente degradação ambiental e social, tal como como ocorreu na Grande Vitória a partir da década de 1960 com a instalação do Complexo de Tubarão.