Capixabas fazem abaixo-assinado contra destruição da Mata Atlântica nas montanhas
Aumento da destruição de florestas em Santa Teresa, Domingos Martins, Marechal Floriano e vizinhas está gerando reação da sociedade, que cobra atitude de municípios, estado e União.
Providência imediata por parte dos municípios, estado e União para barrar o crescimento desenfreado da destruição da Mata Atlântica nas montanhas do Espírito Santo com a explosão do mercado de sítios, lotes, chácaras e condomínios em áreas rurais. É o que pede o abaixo-assinado criado por um grupo de moradores de Domingos Martins, mas que já tem adesão de quem vive em outros municípios. Até a manhã desta segunda-feira (17), o documento já contava com mais de 8,5 mil assinaturas.
Além do abaixo-assinado, o grupo também providenciou a instalação de outdoors na Grande Vitória e em Domingos Martins. Neste material publiciário, a mensagem alerta para o aumento de 462% no desmatamento em território capixaba entre os biênios 2018/2019 e 2019/2020, segundo dados da SOS Mata Atlântica. Um dos outdoors foi instalado na BR 262 em Jardim América, perto da sede do Instituto Estadual de Meio Ambiente e Recursos Hídricos (IEMA).
O médico cirugião Jorge Elias Neto é um dos responsáveis pela iniciativa. Segundo ele, a ação partiu de grupo de profissionais liberais e moradores de Domingos Martins sem vínculo político-partidário, mas com a preocupação em comum com o crescimento da devastação na região.
Jorge conta que o fato deflagrador da mobilização foi o desmatamento com trator de uma grande área de floresta, com cerca de 20 hectares, em Domingos Martins. O desmate foi feito na região da estrada de Soído, entre a sede do município e do vizinho Marechal Floriano. E foi executado entre o último Natal e Ano Novo.
“Foi quando começamos a estudar o assunto. Fizemos uma revisão de literatura extensa, com apoio de proprietários de Reservas Particulares do Patrimônio Natural (RPPN) nas montanhas. Daí veio a idéia de fazer o abaixo assinado e acionar o Ministério Público Federal (MPF), que repassou o caso para o Ministério Público do Estado (MPES), de quem ainda não recebemos feedback”, conta Jorge.
Fim dos corredores ecológicos e Grande Vitória sem água
Outra moradora das montanhas que participa da iniciativa é Marialva Lyra. Engenheira de formação, ela acumula experiência de já ter trabalhado em órgãos governamentais de proteção ambiental.
“Trabalho com meio ambiente há mais de 30 anos e nunca vi tanta devastação. Este é o maior momento de risco para a Mata Atlântica do Espírito Santo desde a década de 1970 para cá. A floresta está ficando cada vez mais fracionada, os corredores ecológicos estão desaparecendo. E isso vai agravar o problema da falta d’água, principalmente na Grande Vitória que depende dos rios que descem das montanhas”, alerta.
Marialva ressalta que o grupo não é contra a implantação de sítios, chácaras e condomínos na área rural, mas defende que isso ocorra de forma planejada, sem prejudicar as matas que ainda estão de pé e sem a destruição de nascentes, como vem ocorrendo em larga escala não só em Domingos Martins, mas também em Santa Teresa e Marechal Floriano.
Em proporção menor, o problema também já pode ser notado em Santa Maria de Jetibá e nas partes altas de Viana, Fundão e Santa Leopoldina.
“A gente não quer impedir os projetos (de parcelamentos rurais em sítios, chácaras e condomínios). Mas não dá para ficar na politicagem de retirar mata e depois fazer propaganda da recuperação de meia dúzia de espécies”, dispara.
A engenheira critica as autorizações de supressão vegetal (desmate) emitidas pelo estado e as licenças concedidas pelas prefeituras para empreendimentos que afetam florestas, corredores ecológicos e nascentes.
“Vai um ou dois técnicos na área e dá a autorização. Estão considerando matas com mais de 40 anos como em estágio inicial de regeneração. As liberações estão acontecendo sem que haja resgate de fauna, o que descumpre lei estadual. Não estão levando em conta os corredores ecológicos. O projeto de municipalização dos licenciamentos é interessante, mas é preciso critério, pois ele nasceu para atender à demanda de atividades de pequeno impacto. Estão desmatando tudo e, do jeito que está, a sociedade está pagando preço alto”, avalia Marialva.
Animais silvestres estão sumindo
Nascido e criado em Baixo Guandu, Adarberto Ramaldes comprou um imóvel num condomínio rural em Domingos Martins em 2016, num local onde há trechos protegidos de Mata Atlântica, onde mora atualmente. Adalberto é observador e fotógrafo de pássaros e, também, apoiador da mobilização contra os desmatamentos.
“Aves nativas que víamos com frequência em 2016 agora são cada vez mais raras. Antes não passava uma tarde sem que víssemos, aqui no condomínio, macaco, tatu, quati, esquilo, ouriço. Agora passa semana sem a gente avistar”, relata Adalberto.
Para o fotógrafo a situação de desmatamento na região serrana é grave.
“Está sobrando só pequenos fragmentos e assim a mata vai ficando doente, pois ela precisa dos corredores ecológicos. Daqui a um tempo não teremos mais água. O que me deixa mais estupefato é que você não vê o comprometimento do Governo do Estado nem dos municípios contra isso”, desabafa.
Ecoturismo como saída
Adalberto considera, que não só a fiscalização precisa melhorar, mas também são necessárias políticas públicas mais abrangentes, com educação ambiental, estímulo ao ecoturismo e ao turismo de observação de pássaros, além de alternativas econômicas consistentes aos proprietários rurais que sofrem assédio de empresários do ramo imobiliário.
“As montanhas capixabas tem uma riqueza imensa de fauna e flora. O turismo ecológico é uma solução. Temos potencial para atrair gente do mundo inteiro para a observação de aves, por exemplo”, enumera Adalberto.
ONG apoia pedido de moradores
A ONG Junto SOS ES Ambiental disse, através de seu diretor Eraylton Moreschi, que apoia o abaixo-assinado promovido pelos moradores de Domingos Martins. Segundo ele, a entidade protocolou pedido junto à superintendência do IBAMA (Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e Recursos Naturais) no ES para que o órgão, também, se manifeste e atue nos desmatamentos que estão ocorrendo na região serrana.
A Juntos tembém protocolou pedido para a instalação de uma Comissão de Inquérito na Câmara de Vereadores de Santa Teresa para que investigem a degradação ambiental generalizada que toma conta das áreas rurais mais valorizadas para sítios, chácaras e condomínios naquele município, que sofre situação semelhante à que ocorre em Domingos Martins.