Quem vigia o vigilante em Santa Teresa?
A questão dos cargos em comissão no âmbito da controladoria municipal
A Democracia fundamenta-se no direito de cada cidadão em tomar parte nos assuntos públicos, seja de maneira direta, seja por intermédio de seus representantes legitimamente eleitos. Nos regimes democráticos, os governantes conduzem suas atividades de gestão com fundamento no poder que lhes foi concedido pelo povo, e estão sujeitos, em virtude das eleições periódicas, ao julgamento de suas ações pelo voto popular.
No que concerne à Administração Pública, seus órgãos e agentes devem, portanto, atuar de acordo com os princípios constitucionais tendo o interesse público, como o fim máximo de seus atos e decisões. Essa Administração deve sujeitar-se a mecanismos de controle interno e externo, de modo a se evitar arbitrariedades e abusos por parte do Estado e de seus agentes contra os cidadãos.
No âmbito do controle interno, as Controladorias Municipais desempenham importante papel de vigilante, exercendo funções eminentemente técnicas. Mas caro e estimado leitor, o que fazer caso a investidura nos cargos de analista e controlador-geral interno municipal se deu em desacordo com a Constituição Federal? Caberia a quem vigiar os Vigilantes?
Para melhor análise do tema, vamos estabelecer três balizas:
A primeira consiste em descrever as funções legalmente estabelecidas para a controladoria interna no âmbito do município de Santa Teresa. Para tanto, basta recorrer a lei n. 1933/2008 que, estabelece as seguintes competências:
Artigo 24 Compete a Controladoria Interna o desenvolvimento das seguintes atividades:
a) executar auditagem interna financeira e orçamentária;
b) controlar e acompanhar as finanças públicas;
c) acompanhar o controle orçamentário;
d) controlar e acompanhar os recursos externos;
e) controlar e acompanhar os processos licitatórios;
f) executar outras atividades correlatas.
Não restam dúvidas que, as funções desempenhadas pela controladoria interna municipal são de caráter Técnico e não Político.
A segunda baliza, consiste em esclarecer como o cidadão, ativamente, pode participar do controle da gestão. Para tanto, o Portal da Transparência se mostra uma ferramenta essencial, e está disponível para consulta pública no sitio eletrônico https://www2.santateresa.es.gov.br/transparencia. Em breve consulta ao Portal da Transparência do Município de Santa Teresa, aplicando como filtro no campo órgão “Controladoria Interna”, verifica-se que atualmente, estão lotados 3 servidores na referida pasta, todos eles com vinculo em “Comissão”. Significa, portanto, que, os três cargos, dois de analista público interno e um de controlador geral interno, foram designados por livre escolha do Prefeito Municipal. Em última análise, significa que, o Prefeito escolhe quem tecnicamente audita e controla sua própria gestão.
A terceira e última baliza, consiste na análise de como esse tema vem sendo tratado no âmbito dos Tribunais, uma vez que certamente o leitor deve estar se perguntando “Pode isso Arnaldo?”, ou até mesmo respondendo que “Sempre foi assim!”.
No âmbito do Supremo Tribunal Federal, existem dois julgados importantes sobre o tema. O primeiro é o Recurso Extraordinário 1.041.210/SP-RG (Tema 1010), de Relatoria do Min. DIAS TOFFOLI, que fixou a seguinte tese:
“a) A criação de cargos em comissão somente se justifica para o exercício de funções de direção, chefia e assessoramento, não se prestando ao desempenho de atividades burocráticas, técnicas ou operacionais;
b) tal criação deve pressupor a necessária relação de confiança entre a autoridade nomeante e o servidor nomeado;
c) o número de cargos comissionados criados deve guardar proporcionalidade com a necessidade que eles visam suprir e com o número de servidores ocupantes de cargos efetivos no ente federativo que os criar; e
d) as atribuições dos cargos em comissão devem estar descritas, de forma clara e objetiva, na própria lei que os instituir.”
O cerne do julgado, gravita em torno da vedação de se criar cargos em comissão que, não sejam de direção, chefia e assessoramento, ou seja, de caráter eminentemente político, uma vez que tais cargos pressupõe uma relação de confiança com a autoridade nomeante. Nos demais casos, o provimento deve ocorrer por concurso público.
O segundo julgado, é mais importante para nossa análise, por ser mais específico em relação as controladorias municipais. Trata-se do Recurso Extraordinário 1.264.676/SC, de Relatoria do Min. ALEXANDRE DE MORAES, no qual se declarou a inconstitucionalidade dos arts. 2º, 3º e 4º da LC 22/2017, do Município de Belmonte/SC, na parte em que estabeleceu o provimento dos cargos de Diretor de Controle Interno e de Controlador Interno por meio de cargo em comissão ou função gratificada.
Declarou, portanto, inconstitucional o exercício do cargo de controlador interno por servidor nomeado em cargo, em comissão ou em função de confiança, por ser um cargo que desempenha funções de natureza técnica e que não exige prévia relação de confiança entre a autoridade hierarquicamente superior e o servidor nomeado. Percebe-se, portanto, que é exatamente essa, a atual situação dos servidores lotados na controladoria interna de Santa Teresa.
Na mesma linha, é o entendimento do Ministério Público das Contas do Estado do Espírito Santo, no qual através da NOTIFICAÇÃO RECOMENDATÓRIA 1/2022, assinada pelo Procurador de Contas Luciano Vieira, e endereçada ao Prefeito de Vargem Alta - ES, que assim recomendou:
Estabeleceu, portanto, que, o Prefeito Municipal adote, imediatamente, providências para extinguir os cargos de controlador-geral e assistente de gestão da controladoria, ou transforme esses cargos em funções de confiança a serem preenchidas por servidores de carreira, bem como adote medidas para a realização de concurso público para o preenchimento do cargo vago de auditor público interno. Estabeleceu, ainda, que informe, no prazo de 60 dias, as medidas adotadas para o cumprimento da medida, sob pena da adoção das demais medidas legais cabíveis.
A fim de garantir a independência e autonomia de atuação, no âmbito da controladoria municipal de Santa Teresa, para que, essa cumpra seu papel constitucional perante a Sociedade Teresensse, não se pode mais admitir a livre nomeação de servidores para atuar no controle interno. Cargos técnicos, não podem ser providos por meio do critério da indicação política.
As funções de analista público interno e de controlador-geral interno são exclusivamente técnicas, burocráticas e, principalmente, atividades permanentes, o que exige atributos de cargos efetivos sem relação de confiança com o Prefeito Municipal para minimizar riscos de interferências político-partidárias.
Com o fim de apurar se já existe alguma medida para adequação da Controladoria Municipal de Santa Teresa, Convergente pediu explicação da Prefeitura sobre o caso, mas até o momento da publicação desse artigo não obteve retorno..
* Daniel Alves de Abreu é Bacharel em Direito e Servidor do Superior Tribunal de Justiça.
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