Em meio a alta no desmatamento, Estado anuncia investimento milionário para recuperar florestas

Governador disse que Espírito Santo terá mais de R$ 370 milhões para recuperar matas nos próximos anos. Também haverá investimento em saneamento.

7 de junho de 2022
atualizada em 7 de junho de 2022
Casagrande anunciou ontem (06) os investimentos. À esquerda, floresta desmatada em APP em Valsugana Velha. Fotos: Governo do ES/Arquivo Convergente
Casagrande anunciou ontem (06) os investimentos. À esquerda, floresta desmatada em APP em Valsugana Velha. Fotos: Governo do ES/Arquivo Convergente

O governador Renato Casagrande anunciou ontem (06), em solenidade alusiva ao Dia Mundial do Meio Ambiente celebrado domingo (05), que o Espírito Santo receberá 372 milhões em investimentos para a recuperação florestal. Tudo isso em meio à ‘epidemia’ de desmatamento da Mata Atlântica, que teve expressiva alta nos últimos anos.

Dos investimentos em reflorestamento, R$ 25 milhões sairão dos cofres do Governo. O restante, R$ 347 milhões, virão de compensação pelo desastre/crime ambiental da Samarco (Vale + BHP), que derramou lama tóxica da mineração no rio Doce e no oceano Atlântico. Rejeito que se espalhou no mar entre o litoral do Espírito Santo, o sul da Bahia e o norte fluminense.

No caso dos R$ 25 milhões do caixa estadual, serão para promover projetos de agrofloresta e obras físicas para melhorar a absorção da chuva no solo. Inclui também a construção de pequenas barragens. A previsão é que sejam aplicados em três anos. A iniciativa foi batizada de projeto Floresta + Produtiva. Começará por localidades rurais dos 12 municípios da região do Caparaó, com a criação dos chamados Núcleos de Produção Florestal Sustentável (NPFS). Segundo o Governo, será expandido posteriormente.

Já o dinheiro da compensação pela lama tóxica da extração de minério de ferro, R$ 347 milhões, será operado pela Fundação Renova. Instituição criada pelas donas da Samarco, as gigantes multinacionais da mineração Vale e BHP Billiton, responsáveis por imensos passivos ambientais ao redor do planeta.

Lama da Samarco (Vale + BHP Billiton) e ajuda para reflorestamento

Segundo o Governo, o dinheiro das mineradoras vai bancar a recuperação aproximada de 11, 7 mil hectares de florestas e cerca de 1, 5 mil nascentes. Editais serão lançados para chamar os proprietários rurais interessados em participar. Além disso, o governo acrescentou que as mineradoras também bancaram para a Defesa Civil Estadual um caminhão, duas viaturas, drones, computadores e outros equipamentos totalizando valor de R$ 1,9 milhão.

É bom lembrar, que a lama da Samarco inviabilizou o abastecimento de água do rio Doce nos municípios capixabas de Baixo Guandu, Linhares e Colatina. Os dois primeiros tinham alternativas e passaram a captar o líquido em outros mananciais. O terceiro, teve que voltar a captar água no rio Doce contaminado com metais pesados cancerígenos decorrentes da lama.

Servidores municipais e licenciamento ambiental

Na solenidade, também, foram apresentados resultados referentes ao incentivo de servidores de municípios habilitados a dar licença ambiental, através de programa estadual de adesão voluntária criado ano passado.

Na prática, o programa dá prêmio em dinheiro aos servidores que cumprirem metas pré-estabelecidas pelo programa na emissão de licenciamentos. Na solenidade o secretário de Meio Ambiente do Estado, Fabrício Machado, defendeu que o programa também fortalece a fiscalização e a educação ambiental. Hoje, dos 78 municípios, 51 dão licenças ambientais.

Recentemente, a reportagem do Convergente em parceria com o jornal Tempo Novo flagrou situações de destruição ambiental em Domingos Martins e Santa Teresa, inclusive com derrubada de Mata Atlântica e degradação de nascentes – que por lei são Áreas de Preservação Permanente (APP) em empreendimentos licenciados pelas secretarias de meio ambiente daqueles municípios e autorização de supressão vegetal emitidas pelos Instituto de Defesa Agropecuária e Florestal do ES (IDAF).

Vale lembrar, que de Santa Teresa e Domingos Martins descem os rios que abastecem a Grande Vitória, incluindo aí a Serra.

Monitoramento, aceleração de licenças, resíduos sólidos e energia solar

Também foram anunciadas no pacotão o desenvolvimento de novas ferramentas tecnológicas para gestão ambiental. Uma delas é a plataforma GEOIEMA que, segundo o governo, ajuda na fiscalização e dá mais transparência com a disponibilização de dados e informações geoespaciais para consulta, interação e download. E pode ser acessada no endereço http://geo.iema.es.gov.br/.

Também foi anunciada nova plataforma para rastrear o transporte de resíduos sólidos em território capixaba, com a criação do Sistema Estadual On-line de Manifesto de Transporte de Resíduos Sólidos (Sistema MTR-ES). E ainda, foram anunciadas medidas para acelerar e desburocratizar licenciamentos no Espírito Santo, além de novas regras para a liberação de projetos de geração de energia solar.

Água, esgoto e Serra

No pacotão dos anúncios foram apresentados investimentos em água e esgoto. Serão R$ 116 milhões, segundo o presidente da Cesan Carlos Aurélio Linhalis, o Cael.

Desse investimento, haverá a ampliação da capacidade da produção na Estação de Tratamento de Água (ETA) de Carapina, na Serra. Localizada entre os bairros Jardim Limoeiro e Valparaíso, a ETA usa água do rio Santa Maria da Vitória, manancial que nas últimas décadas vem dando sinais de esgotamento. Exemplo, foi o ‘apagão’ hídrico ocorrido em alguns momentos da superseca que atingiu o ES em 2015 e 2016.

A ETA abastece a maior parte da Serra. E ainda atende a zona norte de Vitória e Praia Grande, em Fundão. Também fornece água para o Complexo de Tubarão (Vale e ArcelorMittal), maior consumidor individual do manancial.

Estação de Esgoto de Manguinhos

Também foi anunciado, por dentro do pacote de saneamento, ampliação da Estação de Tratamento de Esgoto (ETE) de Manguinhos, na Serra. Curioso é o fato do Estado ter que gastar neste projeto, uma vez que o esgoto da Serra está sob a gestão da Parceria Público Privada (PPP) Cesan/Ambiental Serra, sendo esta última responsável por fazer os investimentos para a ampliação dos serviços na cidade. Como contrapartida a Ambiental Serra, que pertence ao grupo Aegea, recebe o dinheiro arrecadado pela Cesan na taxa de esgoto cobrada do consumidor na conta de água.

Vale lembra que a PPP existe desde janeiro de 2015. E que recentemente o Tribunal de Contas do Estado e a CPI do Esgoto na Câmara da Serra encontraram deficiências na prestação do serviço. Inclusive na ETE Manguinhos.

A parte de sanemento do pacotão prevê investimento de água e esgoto em Guarapari e Conceição da Barra.

Melhorias nas sedes de parques e centralização dos órgãos ambientais

E teve mais no pacotão. O governo anunciou ampliação e reforma das sedes adminstrativas de dois famosos parques estaduais: o da Pedra Azul, em Domingos Martins, e o da Cachoeira da Fumaça, em Alegre. Somados, os investimentos nos dois será de R$ 9 milhões.

Não acabou. O Governo infomou que pretende colocar todos os órgãos relacionados ao meio ambiente, no local onde hoje funciona o IEMA (Instituto Estadual de Meio Ambiente e Recursos Hídricos), em Cariacica.

Vale onipresente

O imóvel e o terreno onde funciona atualmente o IEMA foi doado ao estado pela Vale no início dos anos 2000, empresa que tem um dos maiores passivos ambientais em território capixaba, incluindo o conhecido pó preto que prejudica a saúde respiratória do morador da Grande Vitória.

O próprio presidente do IEMA, o engenheiro Alaimar Fuizza, foi funcionário da Vale por 30 anos, onde chegou a ser diretor. Saiu da mineradora para assumir o órgão estadual responsável por licenciamento e fiscalização ambiental, inclusive do Complexo de Tubarão. O IEMA também é quem cuida de monitorar a qualidade do ar na Grande Vitória.

Governo reage à devastação nas montanhas com operação da Polícia

Um dos fatores que tem gerado alta do desmatamento da Mata Atlântica é a corrida imobiliária de parcelamento de áreas rurais nas montanhas para implantação de sítios, chácaras, loteamentos e condomínios.

Para se ter uma dimensão do problema, entre os biênios de 2018/2019 e 2019/2020 o crescimento da destruição foi de 460%. E entre os biênios 2019/2020 e 2020/2021 o viés de alta se manteve, com avanço de 7% na devastação. Ao todo, a Mata Atlântica no Espírito Santo perdeu 155 hectares de 2018 a 2021. Isso numa floresta que já cobriu todo o Estado e hoje só está de pé em pouco mais de 10% do território.

Os dados são do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE) em parceria com a ong SOS Mata Atlântica, que também apontaram alta expressiva, no período citado, em quase todos os demais estados do país que possuem o bioma.

E apesar do Governo capixaba autorizar, através do IDAF, cortes em florestas em estágio inicial de regeneração – o que a lei permite, já há reações. Uma delas foi a operação Curupira, deflagrada em maio pela Polícia Militar Ambiental e pelo próprio IDAF para combater os desmates considerados ilegais.

A operação surgiu após a repercussão de reportagens sobre a destruição ligada ao mercado imobiliário em Santa Teresa, Domingos Martins, Marechal Floriano e outras cidades vizinhas nas montanhas.

O próprio governador, em declaração à reportagem na última sexta-feira (03), garantiu que a operação Curipira irá continuar em Santa Teresa, município onde a degradação está afetando nascentes de rios importantes, dentre eles o Reis Magos, que abastece a Serra.

Esforço para zerar destruição da Mata Atlântica

Casagrande voltou a tocar no tema na solenidade desta segunda – feira (05) e elogiou a atuação da Polícia. “Destaco a Polícia Militar Ambiental que nos auxilia no esforço para chegarmos ao desmatamento zero no Espírito Santo”, disse.

A sociedade civil tem reagido também. Ativistas e moradores de Domingos Martins estão fazendo abaixo-assinado on line para pedir providências contra o desmatamento e a expansão desordenada do mercado de sítios, chácaras e condomínios nas áreas rurais.

Além disso, espalharam outdoors pela Grande Vitória e nas montanhas alertando para o aumento da destruição da Mata Atlântica.

imagem de
Bruno Lyra
Jornalista especializado em coberturas ambientais e professor de geografia
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