Capixabas atingidos por lama da Samarco protestam em frente a Vale em Vitória

Afetados dizem que não estão sendo ouvidos na repactuação das indenizações sobre os danos causados pelo rompimento da barragem das mineradoras

22 de junho de 2022
atualizada em 22 de junho de 2022
O ato ocorreu na manhã desta quarta –feira (22) em frente a prédio administrativo da mineradora em Vitória. Foto: Reprodução Facebook/MAB
O ato ocorreu na manhã desta quarta –feira (22) em frente a prédio administrativo da mineradora em Vitória. Foto: Reprodução Facebook/MAB

Capixabas afetados pelas consequência do rompimento da barragem de rejeitos da mineração da Samarco (Vale + BHP Billiton) no rio Doce fizeram um protesto em frente ao prédio administrativo da Vale na manhã desta quarta-feira (22).

O ato coordenado pelo Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB) foi para denunciar a forma que estão sendo conduzidas as ações de reparação aos afetados pelo desastre/crime ambiental ocorrido em 05 de novembro de 2015 em Mariana-MG, que deixou rastro de lama tóxica e metais pesados no maior rio do Espírito Santo e em trecho do oceano Atlântico no litoral capixaba, baiano e fluminense.

Em carta aberta divulgada pelo MAB, os atingidos dizem que seis anos após o crime ambiental a sensação é de impunidade. O maior impacto para os capixabas ocorre nos municípios e comunidades ao longo do rio Doce, além do arranjo turístico litorâneo e pescadores artesanais. Principalmente pelo fato de que o entorno da foz do rio, na região de Linhares, é um dos principais pesqueiros do trecho capixaba do Atlântico.

Na carta, o MAB diz que o novo acordo de reparação que está sendo costurado entre as autoridades e as mineradoras não leva em consideração os pleitos dos atingidos. O documento cita ainda que antes do rompimento da barragem, a população capixaba já era afetada – e continua sendo - pelos impactos da Vale e empresas associadas por conta da emissão de pó preto vinda do tráfego de carga na ferrovia Vitória-Minas e das atividades do complexo industrial e portuário em Tubarão.

Atividades que também já lançavam minério no mar, como se pode perceber nas regiões de Praia Mole e Carapebus (Serra) e Camburi (Vitória). E que ainda lançam outras subtâncias nocivas à saúde, como os gases siderúrgicos.

O MAB também acusa a Vale de intimidar ativistas e lideranças que lutam por reparações mais justas. “A empresa Vale não dialoga com as comunidades atingidas, nem com sindicatos, movimentos ou outros grupos que se organizam em defesa dos seus interesses frente à empresa. Mais que isso, trata como caso de polícia as suas vítimas, criminalizando, espionando, prendendo e até ameaçando o povo que luta”, diz a carta.

Um dos maiores desastres/crimes ambientais da humanidade

Ocorrido há pouco mais de seis anos e meio, o rompimento da barragem de rejeitos da extração de minério de ferro em Mariana – MG é considerado um dos piores desastres/crimes ambientais da história da humanidade. Cerca de 60 milhões de m3 de lama devastaram a comunidade de Bento Rodrigues em Minas Gerais, mataram 19 pessoas e lançaram milhões de toneladas de material na bacia do rio Doce, dentre eles metais pesados com potencial para provocar câncer e problemas degenerativos.

A lama provocou também mortandade de peixes, crustáceos, anfíbios e outros organismos do rio Doce. Inclusive animais não aquáticos que dependiam dos bichos da água para se alimentar. A sujeira chegou ao mar e contaminou a biota marinha com metais pesados num dos maiores berçarios de vida do Atlântico Sul: o estuário do Rio Doce, localizado entre Regência e Povoação, em Linhares.

Nas semanas subsequentes à chegada do rejeito ao Atlântico, o monitoramento feito pela Rede Rio Doce Mar revelou que a contaminação se espalhou por um trecho do litoral brasileiro entre o arquipélago de Abrolhos, no extremo sul da Bahia, à região dos lagos, norte do Rio de Janeiro.

Estudos feitos por pesquisadores de diferentes Universidades Federais, dentre elas a UFES, revelaram presença elevada de metais pesados em peixes do rio Doce e do mar, principalemente no entorno da foz em Regência. Autoridades restringiram a pesca e houve queda nas vendas, pois os consumidores passaram a rejeitar o pescado. O turismo litorâneo também foi afetado na região mais próxima da foz do rio.  

Facada por um pouco d’água

Colatina, Baixo Guandu e Linhares tiveram que suspender o abastecimento de água captada no rio Doce. As duas últimas depois conseguiram retomar o fornecimento buscando água de outros mananciais. Já Colatina, cidade que sofre desertificação por conta da falta de florestas, viu cenas tétricas pois não tinha outra fonte senão o Doce. Milhares de moradores se amontoando em filas por um pouco d’água nos insuficientes caminhões pipas disponibilizados pelas mineradoras nos dias mais críticos da crise. Houve até briga com facada por um pouco do líquido. Na época o Espírito Santo passava uma das piores secas de sua história.

Quando a lama assentou, a população de Colatina, maior cidade do noroeste capixaba com mais de 120 mil moradores, voltou a ser abastecida pelo rio Doce. Mas até hoje há pessoas na cidade que preferem comprar água envasada (mineral) de outras fontes por temer problemas de saúde relacionados à concentração de metais na água do rio Doce em decorrencia da lama.

Filme se repetiu três anos depois

Em 25 de janeiro de 2019, pouco mais de três anos do caso de Mariana, a Vale voltou a protagonizar desastre/crime ambiental de proporções catastróficas: o rompimento da barragem de rejeitos em Brumadinho, Minas Gerais. E se o volume de lama foi menor (12 milhões de m3 contra 60 milhões de m3), a letalidade foi pior que o caso de Mariana: 266 mortes e 04 desaparecidos. Até hoje equipes dos Bombeiros e Defesa Civil seguem trabalhando nas buscas por restos mortais dos desaparecidos.

Os impactos ambientais do rompimento da barragem de Brumadinho também foram brutos e afetaram um dos mais emblemáticos rios do Brasil: o São Francisco, manancial de vital importância para semi-árido mineiro e sertão nordestino. Por isso apelidado de rio da integração nacional.

Empresa diz que tem compromisso com a reparação dos danos

Em nota, a Vale informou que a repactuação que está em curso dos programas de reparação estavam previstos em termos jurídicos firmados entre as empreas e o poder público em 2018. E que as conversas estão ocorrendo no âmbito do Conselho Nacional de Justiça, com participação dos atingidos. A mineradora disse ainda ter compromisso com as reparações. Veja a íntegra da nota.

A repactuação dos programas socioeconômicos e socioambientais, criados pelo Termo de Transação e Ajustamento de Conduta (TTAC) estava prevista no TAC-Gov, firmado em 2018, entre empresas e o poder público. As conversas têm ocorrido no âmbito do Observatório do Conselho Nacional de Justiça (CNJ). O intuito da repactuação é discutir, programa a programa, como é possível otimizar o processo reparatório através de soluções objetivas e concretas para conferir celeridade, eficiência e definitividade.

Participam dos debates a Samarco, suas acionistas (Vale e BHP) e diversas entidades do poder público e instituições de justiça, que representam os interesses da sociedade civil, tais como os ministérios públicos e defensorias públicas, de Minas Gerais, do Espírito Santo e da União Federal. Além de reuniões presenciais, ocorreram ao menos três audiências públicas, transmitidas ao vivo, com ampla participação de atingidos e representantes de movimentos sociais. Também participaram das audiências públicas, o próprio CNJ, os Ministérios Públicos e as Defensorias Públicas, também envolvidas na negociação.

A Vale, como acionista da Samarco, reforça o compromisso firmado na Carta de Premissas de 22 de junho 2021, bem como na reparação dos danos causados pelo rompimento da barragem de Fundão.

Fundação Renova afirma que já indenizou ou deu auxílio financeiro a mais de 370 mil pessoas

Criada pelas donas da Samarco, Vale e BHP, para fazer as reparações a Fundação Renova informou, pela assessoria de imprensa, que não poderia comentar a repactuação. Pois esta envolve somente a Samarco e suas controladoras. Mesmo assim enviou nota à reportagem com balanço do que diz já ter reparado nestes seis anos. Eis a íntegra da nota enviada à reportagem.

A reparação conduzida pela Fundação Renova se encontra em um momento de avanços consistentes nos programas que tiveram definição clara pelo sistema de governança participativo. Mais de 376 mil pessoas foram indenizadas ou receberam auxílios financeiros emergenciais, totalizando R$ 9,74 bilhões pagos a atingidos do Espírito Santo e de Minas Gerais.

Já foi concluída a implantação da restauração florestal em áreas onde houve depósito de rejeitos. Uma área equivalente a 16 mil campos de futebol será reflorestada em terrenos não impactados por meio de editais de reflorestamento no valor de R$ 540 milhões em Minas Gerais e no Espírito Santo.

A água do rio Doce se encontra em condições similares às anteriores do rompimento e pode ser consumida após tratamento. Também foi concluído o repasse de R$ 830 milhões para os estados do Espírito Santo e de Minas Gerais e 38 municípios para investimentos em educação,

imagem de
Bruno Lyra
Jornalista especializado em coberturas ambientais e professor de geografia
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