Produtor rural diz que está sendo prejudicado por barragem irregular da prefeitura em rio

Água invadiu terrenos vizinhos e está gerando prejuízo. Problema é perto da cachoeira do Rúdio, no Santa Maria do Rio Doce. Estado notificou a Prefeitura na última sexta (24) para corrigir situação.

27 de junho de 2022
atualizada em 6 de agosto de 2022
Laércio mostra como as águas invadiram as margens com o represamento do rio na região próxima à cachoeira do Rúdio. Foto: Bruno Lyra 03/06/22
Laércio mostra como as águas invadiram as margens com o represamento do rio na região próxima à cachoeira do Rúdio. Foto: Bruno Lyra 03/06/22

Uma represa que está sob a responsabilidade da Prefeitura de Santa Teresa (ES) no Santa Maria do Rio Doce, próxima à cachoeira do Rúdio, está gerando prejuízo para o produtor rural Laércio Zanetti, além de impactos à natureza. É que o lago artificial formado pela represa invadiu a propriedade de Laércio, localizada cerca de 500 metros acima da barragem que foi construída em 2014. Segundo o Instituto Defesa Agropecuária e Florestal do ES (IDAF), a barragem está irregular e a Prefeitura foi notificada na última sexta-feira (24) a adequá-la.

Na situação atual a barragem já provocou, por excesso de umidade, morte de boa parte das árvores da mata ciliar. Também gerou assoreamento do leito do Santa Maria, que antigamente era de corredeiras sobre lajes de pedra. Por fim, em períodos de muita chuva, gera transbordamento ainda maior e atinge plantações de café conilon e pastagens, segundo o Laércio. O produtor rural conta ainda que, também, já teve prejuízos com bombas e equipamentos de irrigação cobertos pela enchente durante temporais. Tudo porque a vazão da barragem não dá conta do fluxo do rio. 

A reportagem de Convergente esteve na propriedade na data das filmagens e pôde constatar algumas das situações relatadas por Laércio. Uma delas: o assoreamento do leito. Segundo Laércio esse problema foi provocado pela perda de força das águas. Afinal, o que era corredeira virou lagoa. Por isso, em tempos de seca, a lâmina d'água quase desaparece por completo em meio ao areal. O que, de acordo com Laércio, impede a captação do líquido para irrigar as lavouras. 

Portando uma vara de ferro com cerca de 3 metros de comprimento, o produtor rural entrou no lago formado pela represa – que na data estava com bom volume d’água – para demonstrar o quão assoreado ficou o leito original do rio. Convergente produziu vídeo com Laércio fazendo a demonstração do assoreamento. Veja:

Falta de planejamento e manutenção

Laércio destacou não ser contra o represamento, uma vez que a bacia do Santa Maria do Doce sofre com graves secas. É uma região em desertificação por ter tido sua Mata Atlântica quase toda dizimada e na outra ponta é o cinturão agrícola de Santa Teresa, onde a demanda por irrigação de lavouras é grande. 

Mas ressaltou que é preciso planejamento para que os lagos artificiais não provoquem problemas em propriedades vizinhas. Defendeu ainda, que os lagos resultantes de barramentos devam ser objeto de desassoreamento periódico, o que segundo Laércio nunca foi feito ali. 

O produtor rural acrescentou, que a represa foi feita por um vizinho em 2014, mas este a doou à Prefeitura de Santa Teresa em dezembro de 2020. Para que a doação ocorresse, a Prefeitura elaborou o Projeto de Lei 56/2020, que ainda previu desapropriação no valor R$ 13,3 mil a um dos proprietários rurais do entorno, que teve parte do terreno submerso. Após polêmica, o Projeto de Lei foi aprovado em regime de urgência na sessão da Câmara de Vereadores no dia 22/12/2020. Veja neste link a sessão (a discussão do Projeto é a partir da 1h e 30 minutos).

IDAF aponta irregularidades e caso está na Justiça

Em nota divulgada no fim da tarde desta segunda-feira (27), via assessoria de imprensa, o IDAF informou, que técnicos vistoriaram a barragem no último 21 e encontraram inconformidades. O órgão disse, ainda, que na última sexta-feira (24) a Prefeitura foi notificada a fazer adequações. No entanto, não detalhou que adequações seriam estas. Veja a íntegra do que disse o Idaf: 

O Idaf realizou uma vistoria no dia 21 de junho de 2022, que constatou inconformidades na barragem. Em seguida, no dia 24 do mesmo mês, notificou à Prefeitura Municipal de Santa Teresa (responsável pela barragem) determinando o cumprimento das condicionantes para a regularização da barragem. 

Vale lembrar que o IDAF é o responsável pela licença ambiental e fiscalização de barragens como a retratada nesta reportagem. O Convergente, também, teve acesso a um despacho de 02 de setembro de 2019, assinado pelo então subgerente de licenciamento ambiental do IDAF, Ahnaiá Zanotelli.

Neste documento, o órgão já reconhecia os problemas da barragem. Dentre eles a falta de anuência (autorização) dos vizinhos - como prevê a lei - para que a lâmina d’água atingisse suas propriedades.

A propriedade de um tio meu também foi afetada e ele, assim como eu, não deu anuência”, afirmou o produtor Laércio Zanetti. 

Diante das inconformidades, o despacho do IDAF recomendou à diretoria do órgão que determinasse aos responsáveis pela barragem a adequação da estrutura para evitar inundações e outros problemas nas propriedades vizinhas. Caso isso não fosse possível, a recomendação era de desativação da barragem.

Mas antes mesmo da análise do IDAF, o caso já tinha ido parar na Justiça. Em 29 de janeiro de 2018, o Ministério Público do Espírito Santo intermediou reunião entre os produtores rurais responsáveis pela implantação da barragem e os que se sentiram prejudicados. Como não houve acordo, a situação foi judicializada. Agora, o caso também envolve a Prefeitura.

Conflito pelo uso da água

Quando a prefeitura resolveu assumir a barragem, a justificativa era a de que a medida seria necessária para ajudar na segurança do abastecimento de comunidades rurais e urbanas da parte baixa do município, dentre elas as das localidades de Santo Antônio do Canaã e Barracão de Petrópolis. O que faz sentido, dada a severidade das estiagens que atingem com frequência e intensidade cada vez maiores a porção teresense do vale do rio Doce.

Ocorre, que na própria barragem, segundo Laércio, são usados canos com 100 milímetros de diâmetro captando água para alimentar lagoa particular fora do leito do Santa Maria. O que deixa produtores e moradores localizados abaixo da barragem sem o líquido em tempos de seca forte, alimentando conflitos.

“Quando tem estiagem mais forte, esse cano deixa o rio sem água e prejudica quem fica para baixo da barragem. É uma sequência de absurdos. As autoridades precisam olhar para isso”, desabafou Laércio. 

O Convergente procurou a Prefeitura de Santa Teresa. Mas, até o momento desta publicação, não obteve retorno. A Agência Estadual de Recursos Hídricos (AGERH), também, não respondeu aos questionamentos. 

imagem de
Bruno Lyra
Jornalista especializado em coberturas ambientais e professor de geografia
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