Lideranças apontam ilegalidades na doação do Parque Augusto Ruschi ao Sesc
Desvio de finalidade e falta de consulta à população foram os argumentos dos participantes da Audiência Pública do dia 30 de junho. Mas parte dos presentes apoiou o projeto do Sesc.
A doação que o estado fez com consentimento da prefeitura dos 100 mil m2 do Parque Temático Augusto Ruschi para o Sesc construir um hotel em Santa Teresa atropelou a legislação. É o que disseram lideranças e advogados durante audiência pública ocorrida na noite da última quinta –feira (30) no município.
Membro da Frente Parlamentar da Conservação da Biodiversidade Capixaba, o deputado estadual Fabrício Gandini (Cidadania), confirmou que à época da doação, ocorrida no final de 2010, não houve audiências públicas nem qualquer outra forma de consulta à população.
Vale lembrar que a área era do Estado, que recebera doação da família de Aurélio Gramlich nos anos 1960 e nela construiu a casa de campo do governador. Só, que com o passar dos anos o espaço foi sendo cada vez menos utilizado. E na década de 2000 acabou sendo cedido, em comodato, para a Prefeitura. Esta investiu mais de R$ 1 milhão para implantar ali o parque público, que congregava lazer e preservação ambiental, uma vez que parte do terreno é coberto por remanescentes de Mata Atlântica, tem nascente, lagoa, córrego e um trecho do rio Timbuí.
Porém, no apagar das luzes da 2ª gestão do ex-governador Paulo Hartung, em 28 de dezembro de 2010, o Estado doou a área para o Sesc através de lei estadual de autoria do executivo aprovada na Assembleia Legislativa.
Gandini, que já havia realizado outra audiência para debater o tema no último dia 12 de maio na Assembleia Legislativa em Vitória, disse ter solicitado via Lei de Acesso à Informação (LAI) documentos ao Governo do ES sobre audiências ou consultas à população de Santa Teresa sobre a doação. E, prosseguiu o deputado, que o próprio Estado confirmou que essas consultas e/ou audiências públicas não aconteceram. Gandini lembrou, ainda, que passados quase 12 anos da doação o Sesc ainda não fez nenhuma obra no local.
Logo após a audiência, Gandini aventou a possibilidade de elaborar um Projeto de Lei para anular a doação. Estratégia que ainda está em discussão com a sociedade civil.
“Temos um processo que se estende por uma longa data. A doação do Parque foi feita para a construção de um equipamento de turismo e ainda não foi feita nenhuma intervenção para que isto aconteça. O Sesc teve tempo suficiente para que isto pudesse ter sido feito, são mais de 10 anos. O que nos fez entrar nessa discussão é que tinha um Parque público de R$ 1 milhão, que hoje não está disponível para a população de Santa Teresa. A gente vê o dinheiro público indo pelo ralo”. Fabrício Gandini, deputado estadual.
Desvio de finalidade e falta de estudo de impacto ambiental
Para o advogado e ex-presidente da OAB-ES, Apolônio Cometti, o Estado praticou desvio de finalidade ao doar a área para o Sesc, uma vez que havia recebido, também por doação, o terreno da família Gramlich que a teria cedido sob condição de que o meio ambiente fosse protegido.
Cometti destacou que há caminhos legais para restituir a área à sua finalidade de parque público, preservando as matas e fauna existentes, além do rio e nascente, mediante revisão do ato administrativo.
“Penso que essa audiência pública poderá motivar a conscientização da parcela pensante da sociedade local no sentido de exigir das autoridades públicas o retorno da área para o seu fim. Acredito muito na força do povo que é o titular do poder e o destinatário dos bens públicos, isto por força do princípio republicano e dos ideais democráticos” Apolônio Cometti, advogado.
O também advogado, Pedro Luiz Domingos, criticou a ausência de estudos ambientais e de publicidade aos mesmos, para que a população decidisse pela doação. Pedro destacou a importância da tutela coletiva no processo legal de direito difuso, que é o direito ambiental.
“A área do Parque é uma reserva biológica a ser tutelada pelo interesse público, onde o meio ambiente é um direito de todos. Sendo assim, não poderia ser doado apenas por um ato administrativo sem o devido estudo de impacto ambiental. A opinião da população não pode ser tratada como sendo de menor importância, ou insignificante. O povo é o principal ator e sua participação precisa chancelar a decisão que envolve o futuro do Parque Augusto Ruschi” – Pedro Luiz Domingos, advogado.
Pelas razões já citadas, outra advogada, Giovana Fidalgo, defendeu a anulação da doação. Giovana é a advogada da Ação Popular movida em 2013 por moradores e ativistas teresenses pedindo a nulidade da doação. Um dos líderes da Ação foi o biólogo André Ruschi (1955 – 2016), filho de Augusto Ruschi (1915- 1986), cientista nascido em Santa Teresa, que dá nome ao parque. Augusto é conhecido mundialmente por suas pesquisas e também pela luta na proteção do meio ambiente.
Três prédios, parque aquático, auditório e estacionamento
O projeto anunciado pelo Sesc no local prevê a construção de três prédios, que abrigarão 280 quartos para hospedagem. Prevê também parque aquático, estacionamento com 2 mil vagas e auditório para 1,5 mil pessoas. Como os estudos ambientais do projeto ainda não foram apresentados a população, há dúvidas quanto ao tamanho do impacto que irá gerar na área, que fica localizada ao lado da escola Ethevaldo Damazio.
O projeto ainda não teve licença ambiental aprovada pela Prefeitura de Santa Teresa. O entrave, segundo admitiu em maio o próprio Sesc, é que o Estado ainda não repassou o documento de averbação do casarão existente no terreno. Casarão este que foi construído pelo estado nos anos 1960 para servir de residência de campo do governador. Em outras palavras, nem a documentação completa da propriedade o Sesc possui ainda.
E há um fato novo. Depois de décadas comandado por Uchôa de Mendonça, o Sesc está de diretor novo: Bruno Negris. A troca ocorreu por conta da mudança na gestão da Fecomércio, entidade a qual o Sesc é ligado.
Em declaração publicada no último dia 28 de junho por A Gazeta, o novo presidente da Fecomércio, Idalberto Moro, admitiu que pode rever o projeto do Sesc em Santa Teresa. E em nota enviada na tarde desta segunda -feira (04) através da assesoria de imprensa, o Sesc disse que não pode dar informações sobre mudanças no projeto enquanto o caso estiver judicializado. Leia a íntegra do posicionamento.
"Atualmente, há um processo judicial em que se discute a legalidade da doação feita pelo Estado do Espírito Santo.O SESC só poderá decidir sobre manutenção do projeto aprovado, ou alteração do mesmo, quando do término da demanda judicial.O SESC/AR-ES é uma instituição séria e que atua em conformidade com a legislação vigente, inclusive respeitando as determinações judiciais que forem proferidas sobre o caso". Sesc - nota divulgada pela assessoria de imprensa.
Movimento Salve o Parque propõe diálogo com o Sesc
No final de 2021, ativistas de Santa Teresa criaram o Movimento Salve o Parque. Além de fazer um abaixo-assinado on line para pedir o cancelamento da doação e efetivação do Parque Augusto Ruschi, o Movimento articulou as duas audiências públicas realizadas pelo deputado Fabrício Gandini.
A coordenadora do Movimento, Carmem Barcellos, destacou a importância do terreno do Parque voltar para a comunidade. Mas defendeu o diálogo com o Sesc, para que este busque nova solução para o projeto de Santa Teresa.
“O Parque Temático Augusto Ruschi pode virar a alma da cidade e o local ideal para atividades lúdicas voltadas à juventude, ajudando a distanciá-la das drogas e da violência. Além de necessidades básicas como saúde, segurança e educação, a comunidade precisa de espaços verdes recreativos para aumentar a qualidade de vida e diminuir o adoecimento por estresse. Defendo que o Sesc busque diálogo com Santa Teresa e procure outra área afastada do centro, para reduzir impactos da concorrência com hotéis e restaurantes locais. E que faça um projeto ambientalmente sustentável. Como por exemplo trabalhar o conceito de um hotel verde” – Carmem Barcelos, ativista do Movimento Salve o Parque.
Retomada da área não é consenso na cidade
Apesar dos argumentos de que a doação possa ter sido ilegal, e de que possa gerar impactos negativos ao meio ambiente e aos negócios turísticos locais de pequeno porte, parte dos presentes à audiência defendeu que o empreendimento do Sesc seja implantado na área do Parque Augusto Ruschi. Foi o caso do presidente da Câmara de Dirigentes Lojistas (CDL) de Santa Teresa, Hugo Detman. Ele lembrou que em 1ª instância a Justiça negou o pedido da Ação Pública movida pela comunidade em 2013. Mas vale lembrar que a decisão foi dúbia, porque mandou o Sesc manter parte do terreno como parque público. Além disso a decisão não é definitiva, uma vez que foram impetrados recursos. O caso segue judicializado.
Hugo também disse que, no dia da audiência, a CDL fez consulta a 75 associados. E 43 deles teriam se mostrado a favor da construção do complexo turístico na área do Parque. Sobre o temor de que o projeto possa afetar o arranjo turístico local – em sua maioria de pequenos empreendimentos familiares – Hugo disse que não procede. Deu como exemplo o Sesc de Domingos Martins, que segundo empresários de lá ouvidos por Hugo, teria provocado maior fluxo de turistas naquela cidade e aumentado o faturamento de bares e restaurantes locais sem impactar negativamente os hotéis e pousadas.
Outro que também defendeu o projeto foi o vice-prefeito de Santa Teresa, Gregório Venturim. Já o prefeito Kléber Médici não compareceu à audiência alegando razões médicas. Em seu lugar, enviou o chefe de gabinete João Paulo Angeli. Este, deu a entender que o mandatário do município ‘lava as mãos’ em relação ao caso.
“A Prefeitura aqui se coloca na postura de ouvir, entendendo que as partes são o Sesc e a Governo do ES” – João Paulo Angeli – chefe de gabinete do prefeito Kleber Médici
O presidente da Câmara, Vanildo Sancio, por sua vez, não foi claro se é a favor ou contra a anulação da doação. Mas criticou o Sesc.
“Nós não conhecemos qual é o empreendimento que o Sesc quer fazer aqui. Temos que sentar com eles, com a sociedade e cobrar por algo que seja benéfico para o nosso município. Não é deixar fazer o que querem” - Vanildo Sancio – presidente da Câmara de Vereadores.
Já o Presidente do Instituto Nacional da Mata Atlântica (INMA), Sérgio Lucena, vê com bons olhos a devolução do Parque ao poder público. Disse ainda que o INMA, cujo auditório recebeu a audiência pública da última quinta-feira, tem interesse em participar de projetos para o Parque Ecoturístico Augusto Ruschi.
Isenção de impostos e concorrência predatória
Presidente da Convention Bureau de Santa Teresa, Jurema Tonini, disse ver impactos negativos da presença do Sesc ao arranjo turístico local. Jurema fez questão de ressaltar que trata-se de uma opinião pessoal, não do posicionamento da instituição que dirige.
“Como empresária do setor de turismo vejo que um empreendimento do Sesc dessa magnitude, nós pequenos não vamos poder competir. Tanto nos setores de hotelaria, quanto de bares, restaurantes. Não sou contra que esse empreendimento do Sesc venha para Santa Teresa, mas que fique numa área mais distante, que possa promover desenvolvimento lá, e que não seja dentro da cidade, que é muito apertada”, Jurema Tonini , presidente da Convention Bureau em Santa Teresa
Argumento reforçado pelo advogado tributarista Pablo Henrique Melo, que destacou ser o Sesc alimentado por dinheiro da contribuição mensal do comércio, além de receber isenções tributárias, o que torna desleal a concorrência com empreendimentos sem os mesmos benefícios.
“O faturamento desse pessoal não é brincadeira. Lógico que o Sesc, com isso, acaba forçando a melhoria no serviço de hotelaria local. Por um lado é uma concorrência interessante, mas é predatória. Porque esse tipo de entidade tem uma isenção tributária muito grande. Ela tem um fomento vindo do INSS patronal onde tem um valor absurdo, que dá capacidade de fazer investimento a toque de caixa. Por isso com o Parque vai se agregar muito mais ao potencial turístico da cidade. Será que se esse hotel do Sesc for feito haverá isenção tributária aos demais hotéis da cidade? ” Pablo Henrique Melo, advogado.
Pablo foi além. Disse que o perfil de turistas atraídos pelo Sesc não é do tipo que beneficia o arranjo de uma cidade como Santa Teresa. Segundo ele, o público do Sesc não é cativo. É esporádico, roda pela rede de hotéis da instituição espalhada pelo país. “O público que vocês têm aqui hoje é cativo, vem quase todo final de semana. Vem para dormir aqui e sair do calor de Vitória”, completou Pablo.
Ausência do Governo e do Sesc
Nem o Governo do Espírito Santo nem o Sesc mandaram representantes para a audiência pública em Santa Teresa. Já na audiência de maio na Assembleia Legislativa, ambos mandaram representantes. E na ocasião, defenderam a legalidade da doação da área, que segundo um avaliador imobiliário ouvido por Convergente já vale mais de R$ 50 milhões.
No último dia 03 de junho, em declaração ao Convergente, o governador Renato Casagrande (PSB) disse que o Governo iria ouvir a população de Santa Teresa sobre o caso.