Morador de condomínio faz poço de peixe em nascente e contamina água de Alto Santo Antônio
Situação afeta famílias em pelo menos 10 residências que há décadas usam água do manancial. Peixeiro foi feito no condomínio Vila dos Amigos
A construção do condomínio Vila dos Amigos no meio de um local antes coberto por Mata Atlântica, em Alto Santo Antônio, transformou as águas límpidas de uma nascente que abastece a antiga comuniade local em líquido opaco, sujo de barro, ração e fezes de peixes. Tudo porque pelo menos um dos condôminos resolveu transformar o que eram nascentes em lago artificial para criação de tilápias. Situação que está gerando revolta na comunidade e acirrando o conflito pelas águas da cabeceira do rio Cinco de Novembro, que se inicia na localidade.
A convite da comunidade, Convergente esteve em Alto Santo Antônio no último dia 03 de julho. E constatou que além do lago do condomínio, os responsáveis ainda construíram uma casa nas margens da APP (área de preservação permanente). Edificação assentada sobre estrutura de decks que avança sobre o espelho d’água. Local que por lei é Área de Preservação Permanente (APP), ou pelo menos deveria ser.
O condomínio é formado numa grande clareira na mata, em franco processo de ocupação e o lago artificial. E logo abaixo, as casas perto do campo de futebol da comunidade. Residências simples que usam a água contaminada.
Do lago artificial flui o córrego, onde poucos metros abaixo, há uma pequena cachoeira no meio da mata, onde a comunidade de Alto Santo Antônio capta a água que, segundo moradores, atualmente atende 10 residências e um pequeno bar anexo a uma delas.
Moradora da comunidade há mais de 30 anos foi entrevistada pelo Convergente. Edilúcia de Oliveira Alvarenga Traspadini, disse que a comunidade até chegou a dialogar com o dono do terreno no condomínio onde foi feito o criadouro de peixe, mas não houve acordo.
“O dono do terreno ofereceu para a gente um poço artesiano na área dele. Mas disse que só ele poderia entrar lá e dar manutenção na bomba. _ Como assim, a comunidade não poderia ter controle sobre a água que nos abastece? E se a bomba quebra e ele não está lá? E se ele resolve usar a água do poço para outra coisa e deixa a gente sem? Ele ainda falou que não quer ninguém da comunidade lá. Então não teve acordo”, relata Edilúcia, que também publicou vídeo em rede social reclamando da situação. Assista:
Edlúcia disse ainda, que os moradores com condições financeiras estão buscando furar poços artesianos perto das suas próprias casas.
“Mas aqui é um lugar carente, o pessoal que mora nas casas não é dono de terras, é gente que trabalha para os outros. E não, a maioria não está podendo pagar para furar poço e tem que usar a água suja até para beber” - Edilúcia Traspadini, moradora da comunidade de Alto Santo Antônio.
"Minha esposa e meus filhos passaram mal”
Outro morador que está tendo de usar a água suja é Rogério Gonçalves da Silva. E não só na sua casa, mas também no bar que possui anexo à residência.
“Na semana passada (há duas semanas, o depoimento foi em 29/06) minha esposa e meus filhos passaram mal por causa da água. A água estava suja, o dono do tanque de peixes deve ter futucado. Ele faz isso sempre. Tem dia que não consigo nem lavar os copos do bar com a água, de tão suja”, lamenta Rogério.
Rogério diz que o problema se acentuou nos últimos meses e que, além da criação de peixes, também há galinhas sendo criadas perto do lago e do córrego onde captam a água.
“Tem um galinheiro lá perto, também. Já avisamos para a Prefeitura, que até hoje não fez nada. A gente tinha uma água tão limpa, agora é só lama e sujeira. Roupa branca a gente nem usa mais, se lavar com essa água encarde”. Rogério Gonçalves, morador da comunidade de Alto Santo Antônio
"Gasto R$100,00 de água mineral por mês”
Outro morador, Claudinei de Almeida, reside com a filha na comunidade Alto Santo Antônio. Ele diz que por temer pela saúde dos dois passou a comprar água mineral para beber e cozinhar.
“Gasto R$100,00 (cem reais) todo mês comprando água, porque a água da nascente não presta mais. Só uso pra banho e limpeza mesmo. A gente até quer fazer um poço, mas somos fracos de situação. Depois que fizeram essa condomínio aí em cima, nossa água ficou ruim. Se é uma pessoa pobre igual a nós fazendo isso é embargado na hora. Com rico não acontece nada”, desabafa Claudinei.
Morador da região há 70 anos, Júlio Majeski conta que a área onde estão as casas da comunidade de Alto Santo Antônio foi cedida no passado por sua família. Majeski confirmou que os problemas de contaminação da água surgiram após a implantação do condomínio.
“Sempre foi uma água saudável que abastecia as casas, a igreja e a escola da comunidade. Agora essa água está prejudicada. Não queremos embargar o crescimento de Santa Teresa, até porque esses condomínios e o turismo tem trazido renda para cá. Mas é preciso certo controle. Nos últimos 10 anos houve um certo desrespeiro ao meio ambiente. E temos que preservar as matas e as águas, que são bens de todos. Nesse caso de Alto Santo Antônio fizeram um poço de peixe na nascente só para lazer, nem é para produção”. Júlio Majeski - empresário e morador de Alto Santo Antônio.
Agência de Recursos Hídricos diz que pode fiscalizar caso
Em nota enviada ao Convergente na última sexta-feira (01), Agência Estadual de Recursos Hídricos (Agerh) afirmou que não tem conhecimento do caso. Porém, disse que pode fiscalizar a situação. Veja a íntegra do resposta.
"Até o momento, a Agerh não tem conhecimento da situação relatada. No que cabe à autarquia, o setor de fiscalização pode planejar uma vistoria no local para averiguação da regularidade na captação de água na barragem e no uso da água para fins de aquicultura. Em ambos os casos, o responsável precisa ter a Outorga de Direito de Uso de Recursos Hídricos". Nota da Agerh
Vale lembrar que a Lei estadual nº 10.143, de 13 de dezembro de 2013, diz que é competência da AGERH “Intervir, no âmbito de sua competência, nos conflitos pelo uso dos recursos hídricos, buscando solucioná-los”.
Prefeitura e Vila dos Amigos
Convergente solicitou no último dia 01 de julho um posicionamento da Prefeitura de Santa Teresa sobre o caso. Mas até a publicação desta matéria, não obteve retorno.
A reportagem não conseguiu contato com representantes do condomínio. Os telefones da Associação dos Proprietários de Propriedades da Vila dos Amigos (APPVA) encontrados na internet davam mensagem que estariam desativados.