Morador de condomínio faz poço de peixe em nascente e contamina água de Alto Santo Antônio

Situação afeta famílias em pelo menos 10 residências que há décadas usam água do manancial. Peixeiro foi feito no condomínio Vila dos Amigos

8 de julho de 2022
atualizada em 6 de agosto de 2022
Foto ilustração
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A construção do condomínio Vila dos Amigos no meio de um local antes coberto por Mata Atlântica, em Alto Santo Antônio, transformou as águas límpidas de uma nascente que abastece a antiga comuniade local em líquido opaco, sujo de barro, ração e fezes de peixes. Tudo porque pelo menos um dos condôminos resolveu transformar o que eram nascentes em lago artificial para criação de tilápias. Situação que está gerando revolta na comunidade e acirrando o conflito pelas águas da cabeceira do rio Cinco de Novembro, que se inicia na localidade.

A convite da comunidade, Convergente esteve em Alto Santo Antônio no último dia 03 de julho. E constatou que além do lago do condomínio, os responsáveis ainda construíram uma casa nas margens da APP (área de preservação permanente). Edificação assentada sobre estrutura de decks que avança sobre o espelho d’água. Local que por lei é Área de Preservação Permanente (APP), ou pelo menos deveria ser.

O condomínio é formado numa grande clareira na mata, em franco processo de ocupação e o lago artificial. E logo abaixo, as casas perto do campo de futebol da comunidade. Residências simples que usam a água contaminada.

Do lago artificial flui o córrego, onde poucos metros abaixo, há uma pequena cachoeira no meio da mata, onde a comunidade de Alto Santo Antônio capta a água que, segundo moradores, atualmente atende 10 residências e um pequeno bar anexo a uma delas.

Moradora da comunidade há mais de 30 anos foi entrevistada pelo Convergente. Edilúcia de Oliveira Alvarenga Traspadini, disse que a comunidade até chegou a dialogar com o dono do terreno no condomínio onde foi feito o criadouro de peixe, mas não houve acordo.

O dono do terreno ofereceu para a gente um poço artesiano na área dele. Mas disse que só ele poderia entrar lá e dar manutenção na bomba. _ Como assim, a comunidade não poderia ter controle sobre a água que nos abastece? E se a bomba quebra e ele não está lá? E se ele resolve usar a água do poço para outra coisa e deixa a gente sem? Ele ainda falou que não quer ninguém da comunidade lá. Então não teve acordo”, relata Edilúcia, que também publicou vídeo em rede social reclamando da situação. Assista:

Edlúcia disse ainda, que os moradores com condições financeiras estão buscando furar poços artesianos perto das suas próprias casas.

“Mas aqui é um lugar carente, o pessoal que mora nas casas não é dono de terras, é gente que trabalha para os outros. E não, a maioria não está podendo pagar para furar poço e tem que usar a água suja até para beber” - Edilúcia Traspadini, moradora da comunidade de Alto Santo Antônio.

"Minha esposa e meus filhos passaram mal”

Outro morador que está tendo de usar a água suja é Rogério Gonçalves da Silva. E não só na sua casa, mas também no bar que possui anexo à residência.

Na semana passada (há duas semanas, o depoimento foi em 29/06) minha esposa e meus filhos passaram mal por causa da água. A água estava suja, o dono do tanque de peixes deve ter futucado. Ele faz isso sempre. Tem dia que não consigo nem lavar os copos do bar com a água, de tão suja”, lamenta Rogério.

Rogério diz que o problema se acentuou nos últimos meses e que, além da criação de peixes, também há galinhas sendo criadas perto do lago e do córrego onde captam a água.

“Tem um galinheiro lá perto, também. Já avisamos para a Prefeitura, que até hoje não fez nada. A gente tinha uma água tão limpa, agora é só lama e sujeira. Roupa branca a gente nem usa mais, se lavar com essa água encarde”. Rogério Gonçalves, morador da comunidade de Alto Santo Antônio

"Gasto R$100,00 de água mineral por mês”

Outro morador, Claudinei de Almeida, reside com a filha na comunidade Alto Santo Antônio. Ele diz que por temer pela saúde dos dois passou a comprar água mineral para beber e cozinhar.

Gasto R$100,00 (cem reais) todo mês comprando água, porque a água da nascente não presta mais. Só uso pra banho e limpeza mesmo. A gente até quer fazer um poço, mas somos fracos de situação. Depois que fizeram essa condomínio aí em cima, nossa água ficou ruim. Se é uma pessoa pobre igual a nós fazendo isso é embargado na hora. Com rico não acontece nada”, desabafa Claudinei.

Morador da região há 70 anos, Júlio Majeski conta que a área onde estão as casas da comunidade de Alto Santo Antônio foi cedida no passado por sua família. Majeski confirmou que os problemas de contaminação da água surgiram após a implantação do condomínio.

“Sempre foi uma água saudável que abastecia as casas, a igreja e a escola da comunidade. Agora essa água está prejudicada. Não queremos embargar o crescimento de Santa Teresa, até porque esses condomínios e o turismo tem trazido renda para cá. Mas é preciso certo controle. Nos últimos 10 anos houve um certo desrespeiro ao meio ambiente. E temos que preservar as matas e as águas, que são bens de todos. Nesse caso de Alto Santo Antônio fizeram um poço de peixe na nascente só para lazer, nem é para produção”. Júlio Majeski - empresário e morador de Alto Santo Antônio. 

Agência de Recursos Hídricos diz que pode fiscalizar caso

Em nota enviada ao Convergente na última sexta-feira (01), Agência Estadual de Recursos Hídricos (Agerh) afirmou que não tem conhecimento do caso. Porém, disse que pode fiscalizar a situação. Veja a íntegra do resposta.

"Até o momento, a Agerh não tem conhecimento da situação relatada. No que cabe à autarquia, o setor de fiscalização pode planejar uma vistoria no local para averiguação da regularidade na captação de água na barragem e no uso da água para fins de aquicultura. Em ambos os casos, o responsável precisa ter a Outorga de Direito de Uso de Recursos Hídricos". Nota da Agerh

Vale lembrar que a Lei estadual nº 10.143, de 13 de dezembro de 2013, diz que é competência da AGERH “Intervir, no âmbito de sua competência, nos conflitos pelo uso dos recursos hídricos, buscando solucioná-los”.

Prefeitura e Vila dos Amigos

Convergente solicitou no último dia 01 de julho um posicionamento da Prefeitura de Santa Teresa sobre o caso. Mas até a publicação desta matéria, não obteve retorno.

A reportagem não conseguiu contato com representantes do condomínio. Os telefones da Associação dos Proprietários de Propriedades da Vila dos Amigos (APPVA) encontrados na internet davam mensagem que estariam desativados.

imagem de
Bruno Lyra
Jornalista especializado em coberturas ambientais e professor de geografia
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