Causos Teresenses - Episódio A vida é uma Viagem

"Não! Não me filme! Pensei em gritar"

29 de março de 2021
atualizada em 22 de julho de 2021

O fato aconteceu em 2014. Os empreiteiros que recapearam o asfalto pintaram as faixas deixando apenas 7 centímetros para os ciclistas. Não cabe nem o pneu da bicicleta de rodinha da minha sobrinha neta. Nem um smartfone desses que andam e escrevem sozinhos nas ruas seguidos por sorridentes adolescentes.

Mas quem anda de bicicleta tem que passar nesta faixa e sair carregando esterco de galinha no cabelo quando os caminhões passam. Assim não tem Pantene que aguente, progressiva que não retroceda e cera para cabelos Schwarzkopf que não seja substituída por uma Jequiti.

Nos trechos de pouco tráfego invadimos a calçada e quando tem um atalho saímos ela tangente. Mas, atalhos podem ser perigosos, principalmente quando a terra está seca, esturricada e a bicicleta não te obedece. Nem apertando os dois freios. Aliás, é aí que pode ficar ainda pior.

A descida foi lenta, mas no finalzinho da ladeira ...rixistszzztx... Só lembro de ter caído feito uma lagartixa sob a bicicleta e ali permanecido por um tempo que parecia uma missa do finado Frei Chico. Fiquei estatelada, rs!

Olhei logo para a blusa petit poá que não dialogava em nada com a calça espinha de peixe. Parecia inteira. Levanto e cabeça e me arrepio toda, o rapaz de camisa vermelha na porta do bar com um celular na mão se aproxima!

- Não! Não me filme! Pensei em gritar, mas disse apenas “está tudo bem”!

- Geração obediente e conectada, ele se afastou falando ao celular. Dentro do bar dois caras ostentavam suas cervejas Itaipava e me olhavam como se eu fosse uma costela queimada em final de churrasco. Contei até 38 e consegui levantar a parte traseira. Minha, rs!

A parte dianteira teve um enrosco no guidão, que acabou alojando-se no airbag esquerdo através da abertura da blusa. Complicado seria tirar o guidão sem rasgar a blusa, algo assim como separar o ácido desoxirribonucleico do DNA, por exemplo. E os caras do bar só olhando. Se eu ainda usasse manequim 38, calça slim e top, aposto que largariam suas cervejas. Mas não! Agora uso 40 e já estou passada.

Mulher quando recebe o resultado da mamografia e está tudo bem sai pulando de alegria do consultório. No último exame saí desse jeito, mas me incomodou a última linha. “tecido adiposo”.

- Tem como resolver isso, doutora?

- Claro, cirurgia plástica, tira a adiposidade e coloca silicone. Simples!

- Legal!

- Pois foi esse tecido adiposo que me salvou. Eu podia estar, sei lá, como São Sebastião com aquela flecha sangrando no peito, mas a adiposidade me salvou.

- Levantei, tirei a poeira do sapato e fui trabalhar. Nem precisei acionar o DPVAT, SAMU, nada.! Só bem mais tarde, na hora do banho, senti uma dor esquisita e percebi duas manchas vermelhas no airbag esquerdo. De manhã estavam rochas, agora amarelaram. A vida é mesmo uma parreira de uva seca. Tudo passa. Somos apenas passageiros, seja de Ferrari, Corolla ou bicicleta.

A viagem é que precisa valer.

imagem de
Marta Bologna
Aposentada, formada em Artes Visuais pela Universidade Federal do Espírito Santo.
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