Cheiro de amor e flor
Um conto teresense baseado em fatos reais
O anoitecer fresco, com o céu mais parecendo uma pintura inacabada de Renoir, o cheiro das flores no jardim e o perfume inconfundível da juventude, levavam Fernanda aos degraus da casa de Mirela, onde as amigas se encontrariam para o aniversário da filha de Dona Carlota, completando dezesseis anos!
Naquela época, os pais e demais parentes ainda eram convidados para os aniversários, que tinha bolo de verdade, com glúten, lactose e cobertura, salgadinhos e doces deliciosos. Tudo feito pela vó Nininha e nada de brigadeiro gourmet com mesinhas para enfeitar. A sala, depois, seria arrumada para o “dançante”, com a vitrola já arrumada e o “ponche” pronto em cima da cristaleira só para os maiores.
Depois do “Parabéns pra você” os jovens reuniram-se na varanda para cantar e tocar violão, enquanto os adultos conversavam e bebiam na ampla e aconchegante cozinha.
Maria Fernanda mudara-se para a cidade há pouco, o pai, funcionário do Banco do Brasil, podia garantir-lhe uma vida confortável e o vestido mais bonito da festa, o que despertara a admiração de uns e a inveja de outros. Naquela época você podia escolher entre nascer bonito e trabalhar no Banco do Brasil.
Além de ter um pai afortunado, era dona de um corpo bonito, cintura fina, pernas bem torneadas e um cabelo longo com cachos maravilhosos de tons variados de loiro, tudo que só a juventude proporciona.
Mulher bonita naquela época era de carne e osso, não hidrogel e silicone como hoje. Aliás, mais carne do que osso.
Depois de conversar amigavelmente com os pais da amiga, Fernanda juntou-se aos outros jovens e já ouvia notas suaves no violão e uma voz juvenil cantando...
Eu quero uma mulher que seja diferente
de todas que eu já tive, de todas tão iguais.
Que seja minha amiga, amante, confidente;
A cúmplice de tudo que eu fizer a mais...
Levantou os olhos sorrindo e encarou o rapaz de olhos azuis e cabelos longos revoltos, que causariam um “derrame” nos seus pais caso seu irmão Rodrigo adotasse o moderno "corte" de cabelo.
Que ao sorrir provoque uma covinha linda...
Sentou-se no muro junto à Mirela fingindo não demonstrar o impacto que aquela voz lhe causara. Tentava não observar aqueles olhos que a encaravam, mas era inteligente o suficiente para perceber que estava diante do rapaz (era rapaz, não menino) mais popular da turma e que as moças dariam um rim para namorá-lo.
Tu és divina e graciosa
Estátua majestosa do amor
Por Deus esculturada
E formada com ardor
Da alma da mais linda flor...
Todo o encanto daquela festinha, com tintas impressionistas, proporcionou o início de uma história de amor como só conhecíamos nas fotonovelas da revista Capricho protagonizadas por Michela Roc e Andrea Giordano. Ou, como o amor de Tonho da Lua por Rutinha em “Mulheres de Areia”.
Pensa! As mulheres eram de areia, hoje, se encostarmos o dedo numa mulher tipo “musa fitness” é bem capaz de ela nos quebrar!
Mas Maria Fernanda e Serginho não era exatamente o casal de noivos que o pai dela gostaria de ver entrando na Matriz ao som a Ave Maria cantada pela Bimba com um vestido branco de renda francesa posando para as fotos do “seu Elpídio”.
Sob a fachada de garotão descabelado e rebelde, Serginho escondia um temperamento sensível, uma índole impecável e uma origem pobre!
_ Com tanta gente boa na cidade, Maria Fernanda está namorando um “maconheiro” que trabalha como vendedor, dizia seu pai.
_ Você não o conhece, é um rapaz educadíssimo, quer falar com você, dizia Dona Ivone.
_ Nem por cima dos juros altos do Banco, dizia seu Eduardo! Ela precisa de alguém do nível dela!
Serginho e Nanda passaram a namorar escondido atrás do coreto, na Cachoeira do Country Club, no Recanto da Saudade. Os amigos ajudavam na tarefa de esconder o namoro dos pais. Tarefa hercúlea! Era o mesmo que tentar esconder o tríplex do Lula e as contas do Cunha na Suíça.
Para os jovens, no entanto, o amor seria para sempre.
Se lembra quando a gente chegou um dia a acreditar...
Que tudo era pra sempre,
Sem saber, que o 'pra sempre',
Sempre acaba ...
Enquanto Celinha ficou noiva de Antônio, que conheceu por correspondência através de fotos da Contigo, o pai de Maria Fernanda enviou a filha para estudar na Capital, logo depois da formatura no Seminário.
Perigo é ter você perto dos olhos, mas longe do coração...
E foram muitas cartas de amor...
E retornaram muitas cartas de saudade...
Até que o pai de Serginho faleceu e os familiares de São Paulo o convidaram para morar e estudar com seus primos. Seu violão já ficava no armário, suas cordas arrebentaram...e ele partiu!
Tudo Passa
Tudo Sempre Passará ...
E em 2016 no Shopping Vitória... uma mulher elegante de vestido longo e cabeleira loira e lisa sobe a escada com ar sereno e carregada de sacolas. No primeiro piso, um homem de cabelos acinzentados “a lá Willian Bonner“ , bermuda, camiseta e tênis (tudo de grife famosa) olha hipnotizado para aquele porte de princesa que ele nunca esqueceu.
Mais uma página do mesmo livro
Mais uma parte da mesma história
Mais uma telha do mesmo abrigo
Mais uma bênção da mesma glória.
- Nanda? Perguntou depois de persegui-la aos tropeções.
- Serginho? Disse ela com o encantador sorriso de covinha.
Abraçaram-se como se ainda tivessem dezessete anos.
Rodopiaram como se ainda fossem os jovens que jogavam queimada no pátio da escola.
E choraram como se cada um soubesse o que o outro viveu durante tantos anos perdidos. E sabiam! Eram amigos de Facebook, compartilharam as alegrias, as tristezas, as formaturas e os casamentos dos filhos. A viuvez dela.
Ele formou-se em Economia e trabalhava numa multinacional, teve amores que duraram e acabaram, viajou para todos os continentes, mas nunca se casou. Nem teve filhos!
- Nanda tirou seu IPhone da bolsa e mostrou uma foto dos dois com a turma no Jardim da pequena cidade onde iniciaram um grande amor.
Sem fim.
Nada acaba quando existe amor.
Mesmo em 2016!