Imaginei que o teresense amasse tudo isso
Como pode o teresense, que sempre conviveu com tanta vida e beleza, não sentir nenhuma dor ao ver um trator passando por cima da natureza
Frequento Santa Teresa, no Espírito Santo, desde a minha adolescência, o que já faz bastante tempo. Como sempre fui apaixonado e encantado pela natureza, o amor por Santa Teresa foi imediato. A terra dos colibris, das orquídeas, das florestas, da natureza e da vida! É indescritível o bem-estar de quem sai de uma cidade poluída, barulhenta e árida como Vitória, ao sair do carro em Santa Teresa e respirar aquele ar, ver aquele céu azul, contrastado com as cores da mata. Sempre tive na imaginação que o teresense amasse tudo isso e valorizasse o que há de mais precioso em sua terra, a vida. Mas tudo isso mudou nos últimos anos. Vi, em poucos anos, o que não vi em décadas. Vi florestas inteiras desaparecerem em poucos dias, muitas em uma única noite. Vi lugares lindos virando terra nua, sem que ninguém tivesse a menor piedade pelas formas de vida tão raras e belas que ali viviam. Como isso é possível?
Como pode o teresense, que sempre conviveu com tanta vida e beleza, não sentir nenhuma dor ao ver um trator passando por cima de tudo? Trucidando, esmagando, moendo ninhos de beija-flores com filhotes ainda dentro e as árvores que viram nascer e crescer seus antepassados tombarem em uma única noite, para virar tudo terra nua e remexida. Esse mesmo teresense que se diz tão cristão, tão devotado a Deus, simplesmente destrói ou permite que se destruam as joias mais preciosas da criação, sem nenhuma responsabilidade ou peso na consciência por isso. Agora, depois de anos de devastação sem que nenhuma forma de fiscalização, punição ou intervenção do estado acontecesse de fato, quem desmata está se achando no direito de derrubar a mata que quiser, aonde for e a hora que for, mesmo que seja na entrada da cidade ou, daqui a pouco, dentro da própria cidade. Crime ambiental?
Sim, crime. Destruir o pouco que resta da natureza que já cobriu todo nosso Brasil é um crime, contra a vida e contra as próximas gerações humanas. Mas, é ilegal? Essa é a grande questão do momento. Para tornar um crime legal, basta um parecer, um pedaço de papel assinado. O que vimos nos últimos anos no Brasil foi um enorme enfraquecimento dos órgãos de fiscalização ambiental, da legislação e do governo, que se aliou a quem quer destruir a natureza para lucrar. Sim, o bom e velho dinheiro, comprando a tudo e a todos. Se em Santa Teresa não conseguem a licença, vão para Santa Maria, Vitória ou qualquer outro lugar que haja alguém disposto a assinar o papel e liberar o desmatamento. O poder e o dinheiro estão pressionando e sempre pressionarão pessoas e instituições cada vez mais frágeis e corrompidas. Uma simples assinatura em um pedaço de papel não pode ser a única barreira entre a vida e os que querem lucrar com ela, porque o preço disso será muito alto.
A partir desse ano teremos uma mudança radical no regime de chuvas do sudeste brasileiro. O fenômeno El Niño está de volta e, com ele, provavelmente a seca também. Todos que leem esse texto devem se lembrar da seca de 2016, quando o mesmo El Niño estava ativo. Vi pessoas desesperadas, sem água para as necessidades mais básicas, perdendo tudo na roça por falta de água para irrigação. Pois tudo isso deve acontecer novamente nos próximos anos, mas dessa vez com um agravante. De 2016 para cá, Santa Teresa perdeu uma importante área de florestas, em regiões de recarga hídrica. Isso significa menos água disponível no sistema, o que tornará os efeitos da seca ainda muito mais severos. O desmatamento de hoje para a construção de loteamentos e pousadas levará o agricultor ao desespero amanhã. E o próprio turismo estará com os dias contados. Quem vocês acham que sairá de vitória para visitar uma região seca, árida, com morros pelados e sem vida?
Quantas cidades que hoje são completamente impróprias para o turismo já foram lugares vivos e belos como Santa Teresa? Nosso município ainda tem o que muitos municípios sonham em possuir, mas que não terão jamais. Ainda temos matas maravilhosas, ar puro, água e vida. Mas tudo isso está por um fio ou por uma canetada.
Então, se não for por você, pense nos seus filhos e netos, no futuro da vida na Terra. É preciso dar um basta a esse processo de destruição enquanto ainda há tempo. Se você for um governante, por favor aja com responsabilidade e honestidade para com a natureza e faça seu papel, se for um morador, aja com um pouco mais de sensibilidade e respeito com a história dos seus antepassados, se for um turista, não compactue com esse ciclo de destruição. Santa Teresa é uma joia de vida perdida em um mundo cada dia mais árido, vazio e violento, e viver nela é um privilégio. Mas um povo que não ama e respeita sua terra, também não será respeitado e nutrido por ela. Quando vocês perceberem que, o que fazemos à terra estamos na verdade fazendo a nós mesmos e aos nossos filhos, aí já será tarde demais.
* sobre o autor: Walter Có é consultor ambiental na empresa Econservation; professor de graduação e pós-graduação da FAESA onde ministra as disciplinas ecologia, evolução, biogeografia, biologia da conservação, ecologia social, ecologia humana e fotografia da natureza. Walter é consultor, palestrante e instrutor em cursos de capacitação de professores na área de meio ambiente e educação ambiental pela SEDU e IEMA. É consultor instrutor em cursos de formação profissional na área ambiental para empresas como Petrobrás, Technip, Arcelor, Fíbria IBAMA e IEMA. Palestrante em eventos ligados ao meio ambiente, educação ambiental, tais como Feira do Verde, Semana do Meio Ambiente, entre outros. Autor do livro Gaia uma semente Educação ambiental interdisciplinar Edufes 2000.