"Respeitem meus cabelos, brancos", a importância da vírgula no lugar certo
Não tenho nada contra negros, contanto que fiquem entre eles!
Uma das grandes injustiças de 2018 (a outra aconteceu com o Brasil, no dia 15 de novembro...) foi Spike Lee não ter ganhado o Oscar de melhor direção por ‘Infiltrado na Klan’, que também perdeu para ‘Green Book: O Guia’ a indicação de “Melhor Filme”.
‘Infiltrado...’ é baseado em fatos reais, uma adaptação do livro autobiográfico de Ron Stallworth. Um policial negro que na década de 1970 conseguiu infiltrar-se na Ku Klux Klan, seita de supremacistas brancos americanos.
O filme tem John David Washington (isso, mesmo: o filho de Denzel Washington!) no papel principal Adam Driver, como coadjuvante e não é só ótimo entretenimento, mas absolutamente necessário. Ferramenta educadora muito útil para o momento que vivemos!
Longe de ser enfadonho, foi bem descrito pelo crítico de cinema Bruno Carmelo do site Adoro Cinema, como uma “comédia sobre o ódio”. Continua ele: “Estamos no terreno do racismo velado, institucionalizado, do tipo que diz “Não tenho nada contra negros, contanto que fiquem entre eles. É a violência travestida de liberdade de expressão.”
A trama paralela do filme mostra o movimento negro em ebulição nos EUA. O policial vivido por John David Washington começa a namorar uma moça, que conhece numa reunião clandestina onde discursaria o carismático líder do Panteras Negras. A plateia foi ao delírio quando o palestrante falou do cabelo e do nariz, símbolos da identidade negra, que deveriam aprender a amar e respeitar, quando desde crianças foram ensinados a odiar por comparar a um padrão eurocêntrico de beleza: o cabelo liso e nariz afilado. E foi assim que o cabelo afro, antes considerado “defeito de fábrica”, transformou-se num símbolo de poder: black power. Qualquer semelhança com a história do patinho feio é mera coincidência!
A cena foi evocada por Tiago Leifert na 8a eliminação do BBB21: “Um cabelo black power, que é o cabelo do João, não é um penteado, é mais que um penteado, é um símbolo de luta, de resistência. Foi o que os pretos americanos usaram como símbolo antirracista....” (leia mais aqui.)
Chamaram João de vitimista e o julgaram fraco, “um negro que não se aceita”. Foi justamente ao contrário: ele é professor e conhece História, conhece a sua História, e por isso tem orgulho de ser como é.
A polêmica gerada pela declaração “inocente”, a “brincadeirinha” do Rodolffo, que doeu tanto no João, é mais uma oportunidade para nós, brancos, fazermos um minuto de silêncio e ouvir! Simplesmente ouvir e aprender, respeitar a dor do outro. Não sair por aí repetindo clichês do tipo “tá de mimimi”, “povo chato do politicamente correto”, fará de nós pessoas melhores, podem crer! Além de mais empatia, pouparemos o mundo de mais babaquice.
O barulho tá grande, mas precisamos parar, refletir e reconhecer que, se antes muita coisa era considerada “normal”, agora não dá mais pra tolerar! Não faz muito tempo a escravidão era normal, mulher não votar era normal, piadinha machista era normal, bullying era normal e fazia parte da infância, homossexualidade era crime, ainda o é, em alguns países!
Grande Chico, não o Buarque, mas o César, compôs uma música que coloca os “pingos nos is” com a vírgula no lugar certo, pra mostrar nosso lugar!
“Respeitem meus cabelos, brancos”
Respeitem meus cabelos, brancos
Chegou a hora de falar
Vamos ser francos
Pois quando um preto fala
O branco cala ou deixa a sala
Com veludo nos tamancos
Cabelo veio da áfrica
Junto com meus santos
Benguelas, zulus, gêges
Rebolos, bundos, bantos
Batuques, toques, mandingas
Danças, tranças, cantos
Respeitem meus cabelos, brancos
Se eu quero pixaim, deixa
Se eu quero enrolar, deixa
Se eu quero colorir, deixa
Se eu quero assanhar, deixa
Deixa, deixa a madeixa balançar